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STF vira legislador, no vácuo do Congresso

Parlamentares não cumprem seu papel e põem Supremo na política

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Por Felipe Recondo
Atualização:

O Congresso virou um contumaz e privilegiado cliente do Supremo Tribunal Federal (STF). Sem capacidade para resolver seus problemas e aprovar os projetos que eles mesmos propõem, deputados, senadores e partidos têm jogado o STF no centro da política brasileira. A cada decisão tomada a pedido dos próprios políticos, no entanto, o Supremo é criticado por supostamente usurpar seus poderes e legislar indevidamente no lugar da Câmara e do Senado. "A essa inércia ou inapetência legislativa corresponde um ativismo judiciário francamente autorizado pela Constituição", observa o ministro do STF Carlos Ayres Britto. "O Judiciário preenche um espaço que o legislador deixou em branco." Os exemplos da inapetência do Congresso são muitos, mas dois casos, em particular, exemplificam como o Legislativo convive com uma das agendas mais atravancadas da República. Cutucados pelo Judiciário, os senadores aprovaram, na quarta-feira passada, a proposta de emenda constitucional número 23, que tramitava na Casa havia sete meses e propunha fazer o que o STF já decidiu: impor a fidelidade partidária e fixar que o mandato é dos partidos, não dos candidatos. O projeto seguiu para a Câmara. Em matéria de regulamentação político-eleitoral, no ano passado, meses antes das eleições, o Congresso também demorou tanto para aprovar uma emenda constitucional que punha fim à verticalização nas alianças entre partidos - as coligações nacionais deveriam se repetir nos Estados - que o Supremo, mais uma vez, entrou em cena. A corte considerou que, ao contrário do que pretendiam deputados e senadores, a mudança não teria efeito imediato. Vigoraria só a partir das eleições de 2010. O outro exemplo da morosidade legislativa será dado nesta semana, quando, mais uma vez, o STF terá de substituir o Congresso: a Constituição de 1988 deixou a cargo do Legislativo regulamentar a greve no setor público, mas lá se vão exatos 19 anos sem decisão nenhuma. Na falta de ação dos 513 deputados e 81 senadores, o assunto está para ganhar uma solução pela cabeça dos 11 ministros do Supremo: está na pauta de quinta-feira do tribunal. Foi o Supremo, também, que ordenou ao Congresso que instalasse uma CPI que provocou grandes danos políticos ao governo. Mesmo com as assinaturas necessárias para instalar a CPI dos Bingos, a oposição teve de recorrer ao STF para garantir as investigações. Meses depois, um novo caso. A base do governo tentou impedir que a CPI do Apagão Aéreo fosse instalada. Oposição e governo não chegaram a um acordo e o STF foi obrigado a intermediar a briga. ANTECIPAÇÃO Apesar desses problemas da judicialização da política, o ministro Celso de Mello ressalta uma vantagem: "Fala-se que o Judiciário é conservador, mas algumas leis votadas pelo Congresso têm sido precedidas pelo Supremo", argumenta. O STF, acrescenta o ministro, termina por estimular o Congresso, como aconteceu com a infidelidade partidária. "O Judiciário se antecipou ao legislador." E o melhor exemplo disso, fora do campo político, foi a oficialização da união estável entre homem e mulher, mesmo sem a necessidade de se casarem formalmente. Foi o Supremo que reconheceu primeiro essa união, depois aprovada pelo Congresso. O problema, quando o Supremo é chamado a decidir polêmicas partidárias, é que essa agenda adia muito os julgamentos de assuntos que dizem respeito à vida extrapolítica. Nos últimos meses, os ministros tiveram de adiar decisões importantes para responder às emergências do Congresso. Foi assim, no mês passado, quando o Supremo teve de reservar um dia inteiro para julgar se a sessão em que seria votado o processo de cassação do senador Renan Calheiros (PMDB-AL) seria fechada ou aberta. Com essas demandas urgentes, alguns julgamentos têm sido adiados no STF. Habeas-corpus, pesquisas com embriões humanos e a questão dos fetos anencéfalos ficam para trás, com o engarrafamento de ações dos políticos, cujo julgamento tem prioridade.

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