STF suspende julgamento sobre reserva indígena

Decisão sobre Raposa Serra do Sol pode servir de referência para 140 casos.

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Por Fabrícia Peixoto
Atualização:

A sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) que julga o caso da reserva indígena de Raposa Serra do Sol foi interrompida na manhã desta quarta-feira e poderá ser adiada novamente, já que o ministro Marco Aurélio de Mello antecipou pedido de vista do processo. Mello anunciou sua decisão após a leitura do voto-vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Os ministros interromperam a sessão para almoço e deverão retomar o julgamento às 14h desta quarta-feira O julgamento vai decidir se a reserva, localizada ao norte do Estado de Roraima, deve ser dedicada exclusivamente aos índios ou se os brancos também têm direito à terra. O julgamento é considerado um dos mais complexos da história da corte. A ação começou a ser julgada em 27 de agosto, mas após a leitura do primeiro voto, do relator Carlos Ayres Britto, a votação foi suspensa por pedido do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Parâmetro A importância da decisão vai além da disputa entre indígenas, políticos e agricultores locais. Isso porque o julgamento de Raposa Serra do Sol deverá servir de parâmetro para casos similares em todo o país. Existem cerca de 140 processos relativos a demarcações de terras indígenas no Brasil tramitando nas diversas instâncias. A decisão do STF não precisa ser adotada obrigatoriamente, mas passará a ser vista como base para as próximas decisões sobre o assunto. "Espero que esse julgamento seja relevante não só para o caso (Raposa), mas que consigamos extrair paradigmas para outros casos", disse o presidente do Supremo, Gilmar Mendes. Segundo ele, é preciso avançar nesse âmbito, "mas sem insegurança jurídica". Desde 2004, 72 processos sobre demarcação de terras indígenas foram ajuizados no STF, sendo que seis encontram-se em movimentação interna na casa. No final de setembro, uma ação para retirada de fazendeiros da reserva indígena Caramuru-Paraguaçu, no sul da Bahia, também teve seu julgamento adiado pelo STF em função de pedido de vista do ministro Carlos Alberto Menezes Direito. O relator do caso, ministro Eros Grau, votou a favor da retirada dos não-índios da região. A ação foi impetrada pela Fundação Nacional do Índio e há 26 anos tramita no Supremo. Debate O caso de Raposa Serra do Sol trouxe à tona um debate que vai além da demarcação de uma reserva indígena. Temas como segurança nacional, respeito à Constituição e desenvolvimento econômico também têm sido levantados. Diversos atores participam do debate, entre eles o governo federal, políticos locais, grupos indígenas, organizações não-governamentais (ONGs), associações de classe, militares e acadêmicos. A lista de argumentos também é extensa - para ambos os lados. Um exemplo é quanto à presença dos índios em regiões de fronteira, como no caso de Raposa Serra do Sol, no limite com Venezuela e Guiana. O grupo contrário à demarcação contínua da reserva, como o governo estadual, políticos e militares, diz que a região da fronteira, para ser devidamente patrulhada, exige a presença dos pelotões do Exército. "Uma de nossas sugestões é que se exclua da reserva 15 quilômetros para dentro da linha de fronteira", diz o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). Já os que defendem a demarcação contínua, como antropólogos, ONGs e grupos ligados à defesa dos índios, argumentam que o Exército não está proibido de entrar na região quando necessário, e que os índios, ao defenderem suas terras, acabam colaborando para a preservação da fronteira. "Um dos grandes problemas é que as pessoas contrárias à demarcação contínua são profundamente antiindígenas e têm outros interesses", diz a ativista Fiona Watson, da ONG Survival International. Um general do Exército, que prefere não se identificar, diz que o mais importante sobre o caso Raposa Serra do Sol é que o assunto, após duas décadas "escondido", passou a ser tratado de forma pública. "Agora toda a sociedade sabe o que está em jogo", diz. Histórico A ação impetrada pelos senadores Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Augusto Botelho (PT-RR) questiona a legalidade da demarcação de uma área contínua de 1,7 milhão de hectares para a reserva. A demarcação da região foi homologada em 2005, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No final de agosto, o caso foi a julgamento no Supremo, mas a decisão teve de ser adiada em função do pedido de vista do ministro Menezes Direito. Durante a sessão, o relator do caso, ministro Carlos Ayres Britto, votou pela demarcação contínua, ou seja, sem qualquer área destinada aos brancos. A decisão causou surpresa, pois havia expectativa de uma decisão que propusesse uma solução intermediária. Em seu voto (que tem 105 páginas), o relator Ayres Britto disse ser contra a divisão do território como um "queijo suíço", que, segundo ele, se caracterizaria como "asfixia espacial" e "confinamento sem grades" para os índios. Mesmo após o período regulamentar para análise do caso, a pedido do ministro Menezes Direito, não há garantias de que decisão saia nesta quarta-feira, já que outros membros do Supremo também podem pedir vista do processo. No entanto, os ministros têm comentado em diversas situações sobre a importância de o julgamento sair ainda este ano. O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, pediu urgência no julgamento, pois, segundo ele, o adiamento poderia criar "certa animosidade entre as partes". BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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