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STF reacende polêmica sobre anistia

Para ministros, procuradores e estudiosos, decisão abre brecha para punir agentes do Estado que cometeram crimes nos anos de chumbo

Por Felipe Recondo e BRASÍLIA
Atualização:

Um julgamento recente do Supremo Tribunal Federal (STF) reabriu um assunto que parecia estar encerrado: o alcance da Lei de Anistia aos crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985).

 

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Ao julgar a extradição do major argentino Norberto Raul Tozzo, envolvido na tortura e morte de 22 presos políticos de seu país em 1976, no episódio conhecido como Massacre de Margarita Belén, os ministros confirmaram o entendimento de que os sequestros praticados naquela época e cujas vítimas ou corpos não tenham aparecido são crimes continuados e permanentes (estariam sendo cometidos até hoje).

 

A tese levantou a dúvida sobre a possibilidade de investigar e punir agentes do Estado brasileiro responsáveis pelo desaparecimento de pessoas durante a ditadura militar. Alguns ministros do próprio STF, procuradores e estudiosos do assunto entendem que, a partir dessa decisão, o Brasil poderia processar criminalmente os responsáveis pelo chamado "desaparecimento forçado", independentemente da Lei de Anistia de 1979.

 

A decisão confirmou o entendimento firmado pelo Supremo em um caso até então isolado. Em agosto de 2009, o STF autorizou a extradição do major do Exército uruguaio Manuel Cordero Piacentini, que fez parte da Operação Condor - nas palavras do governo argentino, "uma organização terrorista, secreta e multinacional para caçar adversários políticos" dos regimes militares do Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia nas décadas de 1970 e 1980.

 

Piacentini era acusado pelos governos da Argentina e do Uruguai de ser responsável pelo desaparecimento de ativistas de esquerda em 1976. Até hoje, os corpos das vítimas não foram encontrados.

 

Naquele julgamento, capitaneados pelo voto do ministro Cezar Peluso, o tribunal firmou o entendimento de que não poderia presumir que as vítimas estivessem mortas, o que geraria a prescrição dos fatos, por ser um crime permanente. A mesma tese foi reforçada na sessão de 19 de maio, que autorizou a extradição do militar argentino.

 

"Capenga". Voto vencido nesses julgamentos, o ministro Marco Aurélio negou os dois pedidos de extradição sob o argumento de que no Brasil o crime não poderia ser punido, pois teria sido perdoado pela Lei de Anistia. "Tivesse sido o crime praticado no Brasil haveria a possibilidade de persecução criminal? Respondi que diante da Lei da Anistia isso se mostrava impossível", afirmou o ministro, durante o julgamento. Depois, explicou: "A meu ver, o sistema ficou capenga", alegando que o entendimento do STF nessas duas extradições entraria em conflito com a declaração de constitucionalidade da Lei de Anistia pelo próprio tribunal.

 

A conclusão desse conflito apontado pelo ministro abriria uma brecha para que o Ministério Público instaurasse processos contra militares responsáveis pelo desaparecimento de pessoas no Brasil. "Sem dúvida podem sustentar que é um crime permanente, que não houve prescrição e que o STF, ao autorizar a extradição, disse que é possível processar os militares brasileiros", concluiu.

 

Outro ministro, que preferiu falar reservadamente, lembrou que a Lei de Anistia perdoou crimes cometidos no passado. Mas a lei não poderia produzir efeitos sobre crimes que o STF entender que ainda estão sendo cometidos hoje. "Como o crime é permanente, é difícil imaginar que houve anistia", reforçou Tarciso Dal Maso, consultor legislativo e autor do livro O Crime do Desaparecimento Forçado de Pessoas.

 

A opinião não é consensual. O ministro Gilmar Mendes afirmou que os crimes de desaparecimento praticados durante a ditadura no Brasil também estariam perdoados pela Lei de Anistia. "Aqui, esses crimes seriam abarcados pela Lei de Anistia. Por isso, não seriam puníveis."

 

Brecha. A procuradora Eugênia Fávero, do Ministério Público Federal de São Paulo, afirmou que a decisão do STF abre margem para que sejam abertos processos no Brasil contra os agentes do Estado responsáveis pelo sequestro de pessoas cujo paradeiro até hoje é desconhecido. "Essa decisão, para nós que buscamos a responsabilização dessas pessoas, é um bom precedente", adiantou. "Na nossa opinião, o precedente está aberto e esse último julgamento só reforça essa tese", acrescentou.

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