Sob pressão, relator aceita mudar texto de pacote anticorrupção

Onyx Lorenzoni (DEM-RS) se ausenta de reunião, atrasando votação, enquanto é pressionado para modificar parecer sem 'atrito' com autoridades como MP e Judiciário

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Por Daiene Cardoso e Igor Gadelha
Atualização:
O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) durante reunião de comissão especial na Câmara Foto: Luis Macedo|Câmara

BRASÍLIA - Deputados da comissão especial que discute as medidas do pacote anticorrupção suspenderam os trabalhos para que pudessem marcar presença no plenário principal. A comissão ficou a tarde inteira reunida à espera do relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que "desapareceu", negociando alterações no texto, mas, só por volta das 20h30, Onyx aceitou fazer mudanças. Enquanto os deputados faziam discursos contra e a favor das propostas na comissão, o deputado não dava sinais de que se renderia às mudanças. O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), apontado como um dos autores da pressão sobre o relator, disse nesta tarde que Lorenzoni estava construindo um texto com "o menor atrito possível". Lorenzoni chegou a ligar para o presidente da comissão, Joaquim Passarinho (PSD-PA), comunicando que estava a caminho. Não há, no entanto, perspectiva de que o pacote seja votado ainda nesta noite. "Acho imprudente votar hoje", disse Passarinho. Uma nova sessão da comissão está marcada para esta quarta-feira, 23.

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Crime de responsabilidade. Membros do Ministério Público acompanhavam as discussões na comissão, longe das negociações. Os procuradores sabem que há pressão sobre o relator para que volte a incluir no relatório o crime de responsabilidade para magistrados, procuradores e promotores. A criminalização do caixa 2, que é defendida por eles, pode sofrer alterações sensíveis na proposta, uma vez que os parlamentares articulam para que a medida seja aprovada com anistia a quem cometeu o delito no passado.

O deputado Fausto Pinato (PP-SP) é defensor da mudança relacionada ao Judiciário. "Nesta Casa, quem não aguenta pressão, não deve ser deputado federal", disse o parlamentar, que foi o primeiro relator do processo de cassação do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Em resposta ao coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, que acompanhava a sessão, Pinato disse que no Parlamento também tem, como em qualquer outra instituição, "gente boa e séria", "corrupto e porcaria". "Não faltam leis, o que faltam são os juízes trabalharem na mesma velocidade de Sérgio Moro", criticou.

O deputado falou em "demagogia barata" e reclamou que a cúpula da Lava Jato tem "jogado para a galera" no tom das críticas à tramitação do pacote na Câmara. "Não venham denigrir esse Parlamento", afirmou Pinato, para em seguida dizer que defenderá seus pares. 

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, que acompanhava a sessão, disse que a entidade é a favor da criminalização do caixa 2 e que, apesar de ser favorável ao crime de responsabilidade, acredita que não é o momento de debater esse tema no pacote. "Isso não é o fundamental para este momento. Não é o ponto central da discussão", declarou.

Polícia Federal. De acordo com os delegados da PF, o texto de Onyx "enfraquece a Polícia Federal". Os delegados afirmam que, "ao contrário do que o deputado Lorenzoni vem afirmando, o relatório enfraquece a principal instituição de enfrentamento ao crime e aos desvios de recursos públicos, a Polícia Federal". “O relatório é extremamente prejudicial no combate à corrupção”, declara a Associação Nacional dos Delegados de PF (ADPF).

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A ADPF aponta quatro pontos que considera ofensivos à polícia. “Fere a autonomia da Polícia Federal, ao prever que equipe conjunta de investigação seja formada pelo ministro da Justiça e não pelo diretor-geral da PF.” “Exclui a Polícia Federal das ações de cooperação internacional. Permite o arquivamento das investigações diretamente pelo Ministério Público (MP), sem apreciação do Poder Judiciário, característica essa de Estados totalitários. É inaceitável que o projeto de lei das dez medidas anticorrupção seja utilizado para privilegiar interesses corporativos do Ministério Público Federal (MPF), ao invés de enfrentar o fortalecimento das instituições que têm a missão constitucional de atuar na repressão direta à corrupção e ao crime organizado”, assinala a nota.

Originalmente, o pacote - que contou com mais de 2 milhões de assinaturas de apoio - tinha 10 medidas de combate à corrupção e a proposta do relator acrescentou mais sete itens.