Sob as ordens do Livrinho

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Por Redação
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Eleito pela terceira vez presidente da Câmara, o deputado Michel Temer concorda que nunca uma troca de comando no Congresso foi recebida com tanta reserva como agora, quando o PMDB assume a presidência das duas Casas sob pesadas críticas. Anacronismo, fisiologismo, concentração excessiva de poder numa instituição desmoralizada, Temer não concorda nem discorda, apenas se reserva o direito de tentar reagir, de não se conformar em dividir com José Sarney a presidência de um Legislativo "chicoteado". O presidente da Câmara ouve que o Congresso, no fundo, sabe por que apanha, não entra no mérito da observação e, em seguida, diz o que imagina deva ser feito para alterar essa situação. Tem planos ambiciosos, como todo mundo que assume novas funções, mas sabe que há uma preliminar a ser cumprida: a retomada das prerrogativas do Poder. E, com ela, a harmonia entre as instituições. Hoje, na visão de Michel Temer, há desarmonia externa e interna. Exemplos: atritos na Polícia Federal, contestação de sentenças do Supremo Tribunal Federal por parte de juízes de primeira instância, mandado de segurança do presidente do Senado contra decisão do presidente da Câmara (na recusa de Arlindo Chinaglia em promulgar o aumento do número de vereadores da forma como o Senado havia aprovado). Temer só vê uma saída: "Alimentar a cultura do respeito à Constituição, que é vista com menos reverência que o telefonema de um ministro." Não se faz isso de forma genérica, no discurso ou transferindo responsabilidade aos outros Poderes, mas dentro do Parlamento, que, na opinião de Temer, tem se omitido no que diz respeito às medidas provisórias e ignorado o preceito de que cabe primordialmente ao Congresso a função de legislar. "Daí se comete a impropriedade de dizer que o Supremo Tribunal Federal interfere. Não interfere, apenas interpreta os dispositivos da Constituição que não foram regulamentados." E por que não foram? "Por omissão do Legislativo." As razões da inércia, Temer prefere não detalhar; são diversas, nem sempre altas, mas, em geral, admite, prendem-se às conveniências dos governos e suas maiorias. Ato legítimo, mas, no excesso, nocivo ao Legislativo. É possível, na interpretação dele, começar a restabelecer o equilíbrio sem criar antagonismos com o Executivo nem produzir atritos entre os Poderes. No caso das MPs, a primeira providência, diz, é o Congresso passar a cumprir o que diz a Constituição e examinar as medidas em comissão especial, barrando a tramitação daquelas que não atendam às exigências de relevância e urgência. "Hoje ninguém liga para isso, não se constitui a comissão de admissibilidade, tudo é aceito e, em consequência, o Legislativo funciona no ritmo ditado pelo Executivo." De acordo com Temer, partindo do princípio de que a primazia no ato de legislar é do Congresso e, portanto, deve dar a última palavra sobre o que é relevante ou urgente no entendimento do presidente da República. Sob qual critério? Segundo ele, o critério definido pela Constituição que dá prazo de 45 dias de tramitação na Câmara e mais 45 no Senado para projetos de autoria da Presidência da República que tenham solicitação de urgência Constitucional. "A partir daí podemos examinar o seguinte: tudo o que possa esperar 90 dias não é urgente nem relevante de modo a justificar edição de uma medida provisória." Antes de ser eleito, Temer teve uma conversa a respeito com o presidente Lula. Pretende ter outra em breve, mas, primeiro, pretende se articular com o presidente do Senado, José Sarney, a fim de assegurar a paz e a efetividade do processo. A princípio, Michel Temer se comprometeu com o presidente Lula a pedir regime de urgência urgentíssima para os projetos que, no lugar de serem postos na forma de medida provisória, sejam enviados ao Congresso com pedido de urgência Constitucional. "O governo tem maioria para aprovar a urgência urgentíssima, que permite a votação de uma matéria num prazo de 15 dias, em média, e evita o trancamento da pauta." Difícil imaginar que tal proposta não produza antagonismos, pois, se aceita, alteraria toda a lógica das relações entre Executivo e Legislativo. Difícil acreditar também que os parlamentares em sua maioria aceitem modificar uma dinâmica que, bem ou mal, acomoda interesses. Por variados motivos, Temer reconhece: "Todo mundo adora uma medida provisória." Por isso, sabe que haverá "desconforto" no Palácio do Planalto e no Congresso, o que cria uma imensa possibilidade de seus propósitos não prosperarem. "De imediato, talvez não, mas a gente vai falando, vai mudando a forma de pensar, vai incutindo valores novos na cabeça das pessoas e, com o tempo, quem sabe conseguimos recuperar o princípio do Dutra (Eurico Gaspar, presidente da República de 1946 a 1951) e submetemos nossas ações às ordens do Livrinho."

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