Sintonia entre Executivo e Legislativo não é 'sólida', avaliam analistas

Harmonia entre os Poderes é vista com cautela, apesar da aprovação folgada na Câmara da autonomia do Banco Central

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Por Vinícius Valfré
3 min de leitura

BRASÍLIA - O início da gestão de Arthur Lira (Progressistas-AL) à frente da Câmara, com aprovação folgada da autonomia do Banco Central, agradou ao governo e permitiu que o novo presidente da Casa fizesse uma sinalização ao mercado.

Entretanto, o predomínio do ambiente de harmonia entre o Legislativo e o Palácio do Planalto que prevalece no processo de desalojamento do grupo de Rodrigo Maia (DEM-RJ) do poder e no início dos trabalhos legislativos deve ser visto com cautela, na avaliação de analistas.

Observado por Pacheco, Bolsonaro cumprimenta Lira durante a cerimônia de abertura do ano legislativo. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Embora o Palácio do Planalto tenha sido determinante, na oferta de cargos e de recursos para conseguir votos, a candidatura de Lira à presidência da Câmara era gestada há pelo menos dois anos nos bastidores do Congresso. O novo presidente rodou o País em campanha e apostou em um discurso corporativo de “dar voz” aos deputados.

Analista político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, define como de “desconfiança recíproca” os próximos meses da relação entre Câmara e governo. “O governo prometeu cargos, emendas e ministérios. E está cedendo a conta gotas. A sintonia não é sólida. Dura enquanto o governo estiver fazendo entregas e cumprindo compromissos. Não fazendo, a Câmara reage de forma dura. E vai ser difícil administrar isso porque vai ter conflito inconciliável do Centrão, que vive de patronagem, não quer medidas de controle de gastos, com a base radicalizada do governo”, afirmou.

O projeto da autonomia do Banco Central passou com 339 votos a favor e 114 contra. Para Cristiano Noronha, cientista político da Arko Advice, o placar expressivo é fruto de um empenho pessoal de Arthur Lira para sinalizar ao mercado e ao governo que apoia a agenda econômica, tem preocupação com a retomada e não foi eleito para ser um subordinado do presidente Jair Bolsonaro.

Noronha disse acreditar que a relação não deverá ser sempre estável. Terá altos e baixos, mas tende a ser melhor do que a que existia até o ano passado, com Rodrigo Maia. E permanecerá satisfatória enquanto o governo fizer as concessões ao Congresso. “A eleição do Arthur Lira melhorou a expectativa do mercado porque ela mostrou que o governo mobilizado, quando trabalha, tem ainda uma capacidade de influência forte na Casa. Se teve para eleger um presidente, tem para tocar as reformas”, disse. “É importante ressaltar que começou bem o relacionamento, mas vai depender muito de como o Executivo trata o Legislativo”, afirmou Noronha. 

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Ao pavimentar o próprio caminho, percorrer Estados meses antes da eleição da Mesa Diretora e assumir bandeiras de interesse corporativo de diferentes grupos de deputados, Lira construiu uma liderança. E ele a exerceu menos de 24 horas após a Câmara entregar aprovada a autonomia formal do Banco Central.

Pressionado pelos pares e pelas bases eleitorais para prorrogar o auxílio emergencial, o presidente da Câmara subiu o tom na quinta-feira, ao cobrar do ministro da Economia, Paulo Guedes, uma saída imediata. “Urge que o ministro Guedes nos dê uma alternativa viável. A situação está ficando crítica”, declarou.

Professor da Fundação Dom Cabral e fundador da Consultoria Dharma, Creomar de Souza ressalta que é importante observar com calma como Lira pretende exercer a liderança ao negociar com o Executivo. Para o especialista, a autonomia do parlamentar pode ser maior do que aquela esperada pelo Planalto. “Algumas pessoas têm tratado a sintonia como uma espécie de subordinação. Eu diria que temos uma relação que precisa de ajustes de tempos em tempos. O que temos visto é a capacidade do presidente Arthur Lira de construir acordos e coalizões que permitam a ele ter certo controle do dia a dia da Câmara”, afirmou.

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