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‘Sinfonia’ de Mozart agora ajuda a reger decisões de Temer

Ex-secretário-geral da Câmara, que recebe salário do PMDB, é ‘agente colaborador’ do gabinete da Presidência

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Por Luiz Maklouf Carvalho
Atualização:

Gabinete Adjunto de Informações de Apoio à Decisão. O dito cujo, capenga do complemento nominal, fica na sala 306 do terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos metros do gabinete de quem decide – no caso, o presidente em exercício Michel Temer. É lá que despacha Mozart Vianna de Paiva, de 65 anos, ex-secretário-geral de 12 presidentes da Câmara dos Deputados, entre 1991 e 2015, entre eles o próprio Temer, a quem serviu em três mandatos, ou seis anos (1997-1999, 1999-2001, 2009-2010).

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“Sou um servidor público e estou sempre à disposição”, disse ele na manhã da quinta-feira passada, na mesa redonda de mármore que ocupa o centro de sua modesta sala, no GAIA (a sigla oficial do dito cujo, um dos órgãos que compõem o gabinete pessoal da Presidência da República).

Naquela manhã, Paiva tinha estado com o presidente em exercício para opinar sobre um detalhe específico de uma medida provisória que está em estudo. Iniciativa dele. Nesses casos, vai à Ajudância de Ordens, na antessala do gabinete presidencial, avisa que quer falar com a autoridade máxima e aguarda ser recebido.

  Foto: DIDA SAMPAIO | ESTADAO CONTEUDO

“Muitas vezes o presidente já sabe do que se trata, mas prefiro pecar por excesso do que por omissão”, explicou o doutor Mozart (tônica na última sílaba), como é mais conhecido. Às vezes, é o presidente que o chama. Ajudado por uma equipe, ele cuida de levantar informações sobre as audiências previstas, – quem é quem, o que pretende, como está o andamento das eventuais pendências – sobre os projetos que tramitam no Congresso e sobre propostas que o governo coloca no radar, como as reformas política e tributária, para citar só as duas.

Paiva já viu esses filmes mais de uma vez, – Temer também – tem uma ótima memória e um banco de dados que pode acionar em dois ou três telefonemas para as pessoas certas.

Das reformas pretendidas, “a mais difícil é a política”, disse. “Porque é a única em que nenhum líder tem a garantia de fidelidade de seu liderado. Acha, entretanto, que Temer tem uma “diferença fundamental” que pode, ficando no cargo, fazê-la avançar: a importância que dá à interlocução com o Congresso (o “poder desarmado”, como gosta de acrescentar). “Só quem passou pelo Congresso tem a noção exata de sua importância”, diz. “Esse foi um problema para a presidenta Dilma, que nunca foi parlamentar, e sempre teve dificuldades nessa relação.”

Seminarista. Mineiro de Corinto, o adjunto de informação de apoio à decisão passa facilmente por um padre. É circunspecto, tem um olhar desconfiado que acena absolvição, está sempre com o terno abotoado e anda algo curvado por um problema de coluna causado por horas e horas seguidas do vai e vem do dorso na lateral do presidente da Mesa. “Padre era mesmo o que eu queria ser, por vocação”, diz. Guarda até o folder do seminário da Serra da Mantiqueira, onde passou interno seis anos de sua juventude, dos 12 aos 18. Saiu para ajudar a família.

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Seu primeiro emprego, em Belo Horizonte, morando em pensão barata, foi, como está na ponta da língua, de “office-boy-na-Indústria-de-Caixas-e- Cartonagem-Santa-Edwiges-rua-Paracatu-261-Barro-Preto.” Não esquece também da vida dura em Brasília, para onde mudou-se com o irmão mais velho no começo dos anos 70. Foi office-boy de aplicadora de sinteco, às vezes ou almoçava ou jantava e cansou de fazer a pé os dez quilômetros que separam o bairro Cruzeiro Velho do Plano Piloto.

‘Sinfonia noturna’. Um concurso público o fez datilógrafo do Ministério da Agricultura. Outro o levou para a Câmara dos Deputados. Assumiu em setembro de 1975, na área de pesquisa da Biblioteca. No fim do mesmo ano, formou-se em Letras. Logo estava na comissão de redação que então havia na Câmara, responsável pelo texto final de todos os projetos de lei. Não demorou para chamar a atenção do supersecretário-geral Paulo Affonso Martins de Oliveira (já falecido).

No fim de 1986, com a Constituinte chegando, Paulo Affonso o designou para dedicação integral aos trabalhos da demorada Assembleia presidida por Ulysses Guimarães (que o chamava de “espírito santo de orelha”). Passou aqueles movimentados e dramáticos 20 meses assessorando tecnicamente diversas comissões. Não era raro que entrasse pela noite – o que lhe valeu, dos colegas, o apelido de “Sinfonia noturna”, referência ao xará famoso, o austríaco.

Virou secretário-geral em 1991 a convite do presidente Ibsen Pinheiro, que o conhecia, mais ou menos, dos tempos da Constituinte. “(O) convidei para uma experiência de 30 dias, mas já no décimo formalizei a decisão”, lembrou o hoje deputado estadual pelo PMDB do Rio Grande do Sul. Quando sabia que ia negar questões de ordem, no calor das sessões, Ibsen virava-se para ele e já pedia a fundamentação legal. “Na hora ele me dizia: ‘Artigo tal, letra tal, inciso tal’”, disse o deputado. “Tinha o regimento na memória.”

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Viveram o impeachment do ex-presidente Fernando Collor – e foi o doutor Mozart, a pedido sigiloso de Ibsen, que deixou pronta a lista alfabética dos deputados, ordem em que afinal, e de surpresa, se deu a votação. “O Mozart reúne cinco qualidades que não são raras, mas são raras juntas: inteligência, correção ética, dedicação, lealdade e capacidade de trabalho”, afirmou Ibsen.

Lição. Paiva seguiu secretário-geral, pela ordem, com Inocêncio de Oliveira, Luis Eduardo Magalhães, Temer 1 e 2, Aécio Neves, Efraim de Morais, João Paulo Cunha, Severino Cavalcante, Aldo Rebelo, Arlindo Chinaglia, Temer 3, Henrique Eduardo Alves e, por um mês, Eduardo Cunha. Licenciou-se por dois anos – um para ser assessor do gabinete do senador Aécio Neves, outro para ser gerente de relações institucionais das Organizações Globo. “Aprendi muito”, disse. Pode-se imaginar.

Aécio Neves (PSDB-MG) presidiu a Câmara em 2001-2002. “Mozart é conhecedor profundo não apenas do regimento, mas do funcionamento do Congresso e dos caminhos mais curtos para se alcançar algo dentro daqueles intermináveis labirintos”, disse o hoje senador do PSDB e ex-candidato à Presidência da República. “Sempre discreto e leal, lealdade que, aos poucos se percebia, não era apenas ao chefe, mas à instituição.”

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João Paulo Cunha (PT-SP), presidente entre 2003 e 2005, vai no mesmo diapasão: “O Mozart é uma figura humana sensacional e um funcionário exemplar”, disse o ex-deputado. “Tem bastante cuidado com o seu ofício e não usava o cargo de assessor para a condução política da Casa.”

Paiva saiu da Câmara em março de 2015. Queria dedicar-se mais à dona Áurea e aos quatro filhos. Em abril, o ministro Eliseu Padilha, ainda de Dilma Rousseff, deu-lhe um telefonema. Falava em nome do então vice-presidente Michel Temer, recém- lotado na secretaria de Relações Institucionais, com a missão, atribuída pela presidente, de administrar a crise política que começava a se agravar. Padilha avisou ao ex-secretário-geral que o vice-presidente iria ligar e convidá-lo para assessor, dessa vez no Palácio do Jaburu. Dito e feito. A pedido do vice, Dilma oficializou Paiva no Poder Executivo como subchefe de Assuntos Parlamentares. No Jaburu ele ficou até agosto – coordenando um grupo na Câmara e outro no Senado. Saiu quando a fritura do outro Palácio empurrou Temer para o rompimento com a presidente. Dilma o exonerou, a pedido.

PMDB. O vice o manteve no Jaburu – agora com salário por conta do PMDB nacional, os em torno de R$ 17 mil que o partido lhe paga até hoje. “Foi a saída, porque meus vencimentos de servidor aposentado já bateram no teto”, explicou o mero assessor, como também a si se refere. O teto, no caso, é o salário bruto de um ministro do Supremo Tribunal Federal, em torno de R$ 33 mil. “Disseram que ser pago pelo PMDB é uma situação irregular, mas não é verdade”, esclareceu. “Minha posição, prevista em lei, é de agente colaborador.”

Chegou ao Palácio do Planalto junto com o presidente em exercício, no 12 de maio em que a nova orquestra começou a ensaiar um outro concerto (ou conserto, a gosto do leitor). Ele não quis dizer, mineiramente, se é contra ou a favor do impeachment da conterrânea. Mas afirmou, “como cidadão”, acreditar que “só um milagre” a fará conseguir reverter, no Senado, a decisão desfavorável. Se estiver certo, haja informações de apoio à decisão.

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