O advogado, defensor de presos políticos na ditadura militar, e deputado federal constituinte Luiz Carlos Sigmaringa Seixas foi enterrado na tarde desta quarta-feira, 26, em Brasília. Durante o velório, que começou às 8h e foi até às 16h40, amigos, familiares e autoridades prestaram suas homenagens a ele, por todos identificado como uma figura conciliadora e aberta ao diálogo.
A despedida de Sigmaringa teve tom político, como a própria vida do advogado. Durante a cerimônia no Cemitério da Boa Esperança, foi lida uma carta do ex-presidente e houve camisetas e gritos de “Lula Livre”. Filiado ao PT, Sigmaringa era amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado na Lava Jato, que foi impedido de deixar Curitiba para o enterro.
"A cordialidade e o respeito à divergência foram os traços que o marcaram em ambientes onde a vaidade e a arrogância costumam vicejar”, diz a carta do ex-presidente, lida pelo deputado distrital Chico Vigilante (PT), a pedido de familiares.
Por duas vezes, conta Lula, Sigmaringa foi convidado por ele a ser ministro do Supremo Tribunal Federal, mas negou, alegando que não se sentia preparado para a função. “A vida segue, companheiro Sigmaringa, com a certeza de que o seu sonho de um Brasil de paz, fraternidade e justiça social ainda se transformará em realidade”, terminou a carta, pouco antes de o corpo seguir para o sepultamento.
Em 1980, quando Lula estava preso pela ditadura militar, conseguiu autorização para comparecer ao enterro da mãe. Foi Sigmaringa que procotolou o pedido na justiça em nome do então sindicalista. À época, ainda não era filiado ao PT, partido que entrou a convite do ex-presidente nos anos 1990. Apesar da ausência, foi enviada uma coroa de flores em nome de Lula e sua família para Sigmaringa Seixas.
“Sigmaringa não disputava poder, disputava princípios”, resumiu o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que lembrou ainda que em seu discurso de posse, agradeceu a ele.
Segundo o ex-ministro, o advogado ajudou-o em diferentes momentos da vida pessoal e profissional, inclusive, durante o impeachment de Dilma Rousseff, de quem foi advogado. “Tenho uma divida com sigmaringa seixas de vida que nunca poderei pagar”.
O velório do advogado foi marcado também por críticas de petistas à justiça, por impedir sua presença. Para o senador eleito da Bahia, Jacques Wagner, a decisão da justiça de impedir Lula de comparecer ao velório "beira o sadismo", porque o ex-presidente não representa nenhuma ameaça. "Na minha opinião (a justiça), está se movendo pelo fígado". A respeito de Sigmaringa, o ex-governador da Bahia lembrou que o ex-constituinte conseguia conversar com todos, independentemente do partido ou ideologia, e disse que hoje "a perda será maior ainda".
Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, disse que a Justiça é feita de interpretações e a de ontem foi mais uma, mas que "o Lula infelizmente tem tido péssimas interpretações (da Justiça)". Foi, inclusive, Sigmaringa quem intermediou a negociação da rendição do ex-presidente Lula à Polícia Federal, quando foi preso em abril deste ano.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também criticou a decisão da Justiça a respeito do ex-presidente e lamentou a morte do correligionário. "Vai ser muito ruim sem ele, principalmente no momento que estamos adentrando, em que a gente precisa de tantos combatentes pela democracia e pelos direitos", disse ao chegar no velório.
O ex-ministro dos governos Lula e Dilma Ricardo Berzoini, o deputado Paulo Pimenta, entre outros correligionários, também compareceram à cerimônia. Mas, como Sigmaringa era conhecido por ser uma pessoa que dialogava com todos, não foram apenas petistas que foram à sua despedida.
O governador eleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), advogado, destacou que a perda de Sigmaringa vai além de questões político-partidárias. "Neste momento não tem esquerda, não tem direita, não tem PT, não tem MDB, não tem nada disso. Nós estamos perdendo um homem público da mais alta relevância e qualidade", disse. O atual governador, Rodrigo Rollemberg, também compareceu ao local.
Procurador-geral da República de 2009 a 2013, nomeado por Lula, Roberto Gurgel destacou a atuação de Sigmaringa na constituinte para a construção do Ministério Público. "Como constituinte, foi um dos grandes apoiadores das modificações que a Constituição de 1988 introduziu e que fez renascer, ou melhor nascer, a instituição que temos hoje, dotada de autonomia e independência", disse, pouco antes de deixar o local.
Entre presos que o próprio advogado ajudou a soltar dos porões da ditadura e colegas do mundo jurídico, um dos que veio prestar homenagem foi o presidente do Supremo Tribunal federal (STF), Dias Toffoli. “Foi sempre um conciliador, um construtor de pontes. Foi uma pessoa que quis criar uma possibilidade de um Brasil melhor”, disse o ministro, que contou ainda que os dois participavam do mesmo grupo de “pelada”.
O presidente da Corte, que chegou por volta das 9h no velório do advogado, lembrou da importância de Sigmaringa para a redemocratização do País e para a autonomia de Brasília.
Quando deixou o local, o ministro da Justiça Torquato Neto lamentou a perda do "grande advogado e grande amigo". “Em momentos difíceis da vida nacional, ele teve uma presença muito marcante pelo amor à democracia e à liberdade. Essa é a grande mensagem que ele deixou", disse.
Sigmaringa Seixas morreu, aos 79 anos, na terça-feira em São Paulo, devido a uma parada cardíaca. O enterro acontece no cemitério Campo da Esperança, em Brasília, as 17h desta quarta-feira. Nomes do mundo jurídico e político, como o governador do DF, Rodrigo Rollemberg, o jurista Sepúlveda Pertence, e os advogados Kakay e Marco Aurélio Carvalho, também compareceram ao velório.
Sigmaringa foi defensor de presos políticos durante a ditadura militar é um dos que ajudou a criar o Tortura Nunca Mais. Segundo contou o jornalista Jarbas Silva Marques, amigo de Sigmaringa, ele e outros advogados de presos políticos tiveram a ideia de copiar processos e depoimentos de torturados, que estavam no Superior Tribunal Militar (STM), em 1979. À época, o advogado era conselheiro da OAB-DF.
Luiz Carlos, com toda a timidez dele, estava em Brasília e requeria os processos da justiça militar no STM e, numa noite, ele copiava o processo e, nos prazos legais, ele devolvia isso. Isso que possibilitou que Dom Paulo Evaristo Arns e o Conselho Mundial das Igrejas elaborasse o Tortura Nunca Mais. O depoimento dando o nome de 244 torturadores das forças Armadas e o nome de policiais civis que participavam da tortura em 1979”, explicou o amigo, que ficou preso na ditadura de 1967 a 1977.
Sigmaringa vem de uma família de advogados militantes. Seu pai, Antônio Carlos, lutou contra a ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas, e, segundo Marques, conseguiu passar o gene libertário para os filhos. O constituinte deixa a viúva Marina e dois filhos, Luisa e Guilherme.