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Ser vaiado, herança que persegue os presidentes

Antes de Lula, lista de autoridades não conseguiu escapar dos apupos

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Por Redação
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Getúlio Vargas, Arthur Bernardes, João Figueiredo, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Campos Sales. O presidente Lula disse ter ficado "triste" com a vaia que recebeu na abertura dos Jogos Pan-Americanos no Rio, na semana passada, mas não pode dizer que está sozinho. Todos os ex-presidentes foram vítimas, em maior ou menor grau, de apupos durante seus mandatos. Em 1979, Figueiredo, último dirigente do regime militar, teve de ser contido por seguranças para não entrar em confronto físico com estudantes que o vaiavam e chegaram a agredi-lo e aos ministros César Cals e Danilo Venturini, em Florianópolis, depois que ele comprimiu o indicador e o polegar para xingá-los de forma grosseira. Vargas enfrentou, em 1954, nas comemorações do quarto centenário de São Paulo, sonora vaia de 15 minutos no Jockey Club. É que desde a Revolução de 1932 o mandatário gaúcho era visto como inimigo pelos paulistas, que o combateram. Ao contrário de Lula, que perdeu a esportiva com as vaias e se negou a abrir o Pan, Vargas agiu como uma raposa velha da política e cochichou para o então ministro da Justiça e futuro presidente Tancredo Neves, enquanto fumava tranqüilamente seu cachimbo, segundo relato do historiador Fernando Jorge, autor do livro Getúlio Vargas e o seu Tempo, um Retrato em Luz e Sombra: "Não sabia que o Garcez era tão impopular." Lucas Nogueira Garcez era o governador paulista e estava ao seu lado. A filha de Vargas, Alzira, fechou a cara. Nenhum presidente, no entanto, sofreu tanto com vaias quanto Arthur Bernardes, que governou o País de 1922 a 1926, permanentemente em estado de sítio. No Rio, passando pela Avenida Rio Branco, Bernardes - austero mineiro educado no Colégio do Caraça - recebeu prolongados apupos de pessoas que chegaram a bater no seu carro, entre gritos de "seu Mé", apelido que detestava. Permaneceu, lívido, dentro do carro. Anos depois, ao assumir o cargo de senador, novamente foi vaiado, desta vez por Miguel Costa Filho, descendente do velho inimigo, Miguel Costa. "CAMPOS SELOS" O campineiro Campos Sales também enfrentou seu calvário. Ele, que governou o País de 1898 a 1902, ganhou o curioso apelido de Campos Selos, por aumentar os impostos, cobrados em selos. Sales encontrou o País em dificuldades financeiras e precisou contrair empréstimo de 10 milhões de libras em Londres, o que lhe permitiu sanear as finanças públicas. Ele e o ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, tiveram de desvalorizar o câmbio e restringir o crédito, o que provocou muita oposição às medidas, consideradas excessivamente duras. Ao voltar à sua terra de trem, Sales, de acordo com o historiador Aureliano Leite, era vaiado toda vez que a chefia das estações anunciava seu nome. Hoje senador pelo PTB de Alagoas, Collor enfrentou muitas vaias durante o mandato, iniciado com o confisco da poupança e interrompido em 1992 por um impeachment. Em 1998, apesar de inelegível, ele dizia que seria candidato à Presidência da República e foi agredido em Mogi das Cruzes (SP), onde fazia pré-campanha. Faixa-preta de caratê, Collor levou tapas na cabeça e empurrões. Em termos de confronto físico, no entanto, nada se comparou à situação vivida por Figueiredo. O então presidente, que visitava Santa Catarina a convite do candidato a governador e hoje senador Jorge Bornhausen, foi cercado por centenas de estudantes revoltados que, portando faixas contra a fome e a carestia, o vaiavam. "Ele quis sair no braço com os estudantes e precisou ser contido por seguranças", relembra o historiador Fernando Jorge. Choveram paus, pedras e latas de cerveja sobre os policiais. O presidente disse ter ficado ofendido - "com os palavrões contra a minha honra e a honra de minha mãe". Resolveu, então, "tomar satisfações com os comunistas". O presidente levou encontrões e o os ministros foram agredidos e derrubados. A polícia distribuiu pancada e sete universitários foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN). Fernando Henrique, por sua vez, foi vaiado pelo menos três vezes em seu mandato, principalmente durante os desfiles de Sete de Setembro. Em uma ocasião, xingado por militantes do Movimento dos Sem-Terra (MST), reagiu: "Eles são desesperados que não têm a mínima noção de educação". Em Uberaba (MG), o então governador mineiro Hélio Garcia tentou amenizar a situação, provocada por outra vaia sofrida por FHC. "Em Uberaba, os meninos vaiam até boi premiado", disse Garcia. É uma frase parecida com a do jornalista Nelson Rodrigues, também usada no episódio vivido por Lula, segundo a qual no Maracanã se vaia até minuto de silêncio. A razão da expressão, de acordo com o professor de ética da Unicamp Roberto Romano, foi a reação da torcida ao ser anunciada a morte do ex-presidente Castelo Branco durante uma partida de futebol, em 1967. Nascia a fama de transgressão do Maracanã.

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