Lira fala em manter ‘diálogo’ e não cita impeachment após atos de Bolsonaro

Em pronunciamento sobre os atos de 7 de Setembro, presidente da Câmara pede basta a ‘bravatas’, mas não faz qualquer menção aos pedidos de afastamento do presidente

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Por e Camila Turtelli
Atualização:

BRASÍLIA – O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), ignorou o tema impeachment ao fazer um pronunciamento na tarde desta quarta-feira, 8, um dia depois de manifestantes irem às ruas nos atos de 7 de Setembro com pedidos antidemocráticos, como o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), e com ameaças do presidente Jair Bolsonaro aos demais Poderes.

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Sem citar Bolsonaro, Lira criticou “radicalismo e excessos”, mas manteve o discurso de que é preciso “diálogo”, indicando que não deve levar adiante qualquer pedido de impedimento do presidente neste momento. A decisão de aceitar ou não uma solicitação de impeachment é do presidente da Câmara. Na gaveta de Lira há 131 pedidos de cassação do mandato de Bolsonaro.

Após a radicalização no discurso de Bolsonaro, em que o presidente ameaçou até mesmo descumprir decisões judiciais, ganhou força a possibilidade de siglas como PSDB, PSD, MDB e Solidariedade engrossarem o coro de partidos de esquerda para que um processo seja iniciado.

O presidente da Câmara, Arhur Lira (Progressistas-AL), chega ao Congresso Nacional Foto: Dida Sampaio/Estadão

“A Câmara dos Deputados está aberta a conversas e negociações para serenarmos. Para que todos possamos nos voltar ao Brasil real que sofre com o preço do gás, por exemplo”, afirmou o deputado. Segundo ele, a Câmara pode ser “uma ponte de pacificação entre Judiciário e Executivo”.

Eleito para o cargo de presidente da Câmara com o apoio do Palácio do Planalto, Lira se tornou fiador das pautas governistas no Congresso e tem adotado um discurso de que não há clima para a abertura de um processo de impeachment neste momento. Também alinhadas ao governo, as bancadas de deputados de partidos como PSDB, PSD e DEM são resistentes a encampar a saída de Bolsonaro do cargo, embora seus partidos discutam o tema abertamente.

“Conversarei com todos e todos os Poderes. É hora de dar um basta a essa escalada, em um infinito loop negativo, bravatas em redes sociais, vídeos e um eterno palanque deixaram de ser um elemento virtual e passaram a impactar o dia a dia do Brasil de verdade”. disse o presidente da Câmara. 

Mesmo pregando pacificação, em seu pronunciamento Lira também mandou recados a Bolsonaro e seus apoiadores. Ele criticou a insistência na defesa do voto impresso em 2022, proposta já rejeitada pela Câmara dos Deputados no mês passado, mas que estava presente em cartazes de manifestantes e no discurso do próprio presidente.

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“Não posso admitir questionamentos sobre decisões tomadas e superadas, como o voto impresso. Uma vez decidido, é página virada”, afirmou. “São nas cabines eleitorais, com sigilo e segurança, que o povo expressa sua soberania. Que até lá tenhamos todos serenidade e respeito às leis, à ordem e principalmente à terra que todos amamos.”

Não é a primeira vez que o deputado de Alagoas endurece o discurso contra o governo. Lira já mencionou em dois discursos anteriores um "sinal amarelo” para dizer que está alerta em relação a arroubos autoritários.

“Vou seguir defendendo o direito dos parlamentares à livre expressão e a nossa prerrogativa de puni-los eventualmente se a Casa, com sua soberania e independência, entender que cruzaram a linha.” 

Logo após o pronunciamento, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) publicou uma série de tuítes defendendo uma reação institucional mais forte às declarações de Bolsonaro. “Mais que VOZ institucional, o momento exige AÇÃO dos Poderes Judiciário e Legislativo. Porque as palavras do Presidente têm feição de atos. E atos INCONSTITUCIONAIS. Ele não as diz por coragem, mas por medo. Nós temos de mostrar CORAGEM não só para falar, mas para AGIR”.

Veja a íntegra do pronunciamento de Lira:

Diante dos acontecimentos de ontem, quando abrimos as comemorações de 200 anos como nação livre e independente, não vejo como possamos ter ainda mais espaço para radicalismo e excessos.

Esperei até agora para me pronunciar porque não queria ser contaminado pelo calor de um ambiente já por demais aquecido. Não me esqueço um minuto que presido o Poder mais transparente e democrático.

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Nossa Casa tem compromisso com o Brasil real – que vem sofrendo com a pandemia, com o desemprego e a falta de oportunidades. Na Câmara dos Deputados, aprovamos o auxílio emergencial e votamos leis que facilitaram o acesso à vacinação. Avançamos na legislação que permite a criação de mais emprego e mais renda. A Casa do Povo seguiu adiante com as pautas do Brasil – especialmente as reformas. Nunca faltamos para com os brasileiros. A Câmara não parou diante de crises que só fazem o Brasil perder tempo, perder vidas e perder oportunidades de progredir, de ser mais justo e de construir uma nação melhor para todos.

Os Poderes têm delimitações – o tal quadrado, que deve circunscrever seu raio de atuação. Isso define respeito e harmonia. Não posso admitir questionamentos sobre decisões tomadas e superadas – como a do voto impresso. Uma vez definida, vira-se a página. Assim como também vou seguir defendendo o direito dos parlamentares à livre expressão – e a nossa prerrogativa de puni-los internamente se a Casa com sua soberania e independência entender que cruzaram a linha.

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Conversarei com todos e com todos os poderes. É hora de dar um basta a esta escalada, em um infinito looping negativo. Bravatas em redes sociais, vídeos e um eterno palanque deixaram de ser um elemento virtual e passaram a impactar o dia a dia do Brasil de verdade. O Brasil que vê a gasolina chegar a R$ 7 reais, o dólar valorizado em excesso e a redução de expectativas. Uma crise que, infelizmente, é superdimensionada pelas redes sociais, que apesar de amplificar a democracia estimula incitações e excessos.

Em tempo, quero aqui enaltecer a todos os brasileiros que foram às ruas de modo pacífico. Uma democracia vibrante se faz assim: com participação popular e liberdade e respeito à opinião do outro.

Foi isso que inspirou Niemeyer e Lúcio Costa, quando imaginaram a Praça dos Três Poderes: colocaram o Executivo, o Judiciário e o Legislativo no meio. Equidistantes – mas vizinhos e próximos suficientes para que hoje a gente possa se apresentar como uma ponte de pacificação entre Judiciário e Executivo. E é este papel que queremos desempenhar agora. A Câmara dos Deputados está aberta a conversas e negociações para serenarmos. Para que todos possamos nos voltar ao Brasil Real que sofre com o preço do gás, por exemplo.

A Câmara dos Deputados apresenta-se hoje como um motor de pacificação. Na discórdia, todos perdem, mas o Brasil e a nossa história tem ainda mais o que perder. Nosso país foi construído com união e solidariedade e não há receita para superar a grave crise socioeconômica sem estes elementos.

Esta Casa tem prerrogativas que seguem vivas e quer seguir votando e aprovando o que é de interesse público. E estende a mão aos demais Poderes para que se voltem para o trabalho, encerrando desentendimentos.

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Por fim, vale lembrar que temos a nossa Constituição, que jamais será rasgada. O único compromisso inadiável e inquestionável que temos em nosso calendário está marcado para 3 de outubro de 2022. Com as urnas eletrônicas. São nas cabines eleitorais, com sigilo e segurança, que o povo expressa sua soberania.

Que até lá tenhamos todos, serenidade e respeito às leis, à ordem e, principalmente, à terra que todos nós amamos.

Muito obrigado!

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