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Sem alarde, governo gastou ''''201 Aerolulas'''' com entidades

Terceiro setor é tendência mundial, diz TCU, mas falta de controle e fiscalização virou porta aberta para fraudes

Por Guilherme Scarance
Atualização:

Em meio à polêmica da CPI das ONGs, o governo informou ter repassado R$ 19,98 bilhões, entre 2002 e 2006, para as organizações não-governamentais. Esses convênios - que consumiram valor suficiente para comprar 201 jatos Airbus A-319, o Aerolula - foram fechados e pagos sem nenhum alarde ou reação pública. Nesse universo do terceiro setor, se há inúmeras entidades reconhecidamente sérias, resta também uma porta aberta para fraudes e desvios, alerta o Tribunal de Contas da União (TCU). Não há definição em lei do que seja ONG, faltam critérios para a seleção e, por fim, a fiscalização é deficitária. "Eu me espantaria se não houvesse muito desvio", diz o procurador-geral do Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Furtado. "Não há nenhum critério objetivo para a escolha da ONG que vai receber recurso público. O ministério ou órgão público escolhe a que quiser." Furtado faz questão de frisar que não há problema em se trabalhar com ONGs, uma tendência mundial, mas alerta para a falta de controle da União, com base no que revelaram as últimas auditorias. Se a um órgão gastar R$ 100 mil com a compra de veículos, por exemplo, precisará abrir licitação. Se repassar R$ 10 milhões para uma ONG, terá livre escolha. BLITZ O procurador do TCU alerta que os ministérios não têm a mínima estrutura para analisar a prestação de contas das ONGs, quanto menos o trabalho efetuado. A mesma deficiência, admite, apresentam o próprio TCU e a Controladoria-Geral da União (CGU). "Sinceramente, se alguém recebe dinheiro contando que o repassador não vai analisar a prestação de contas, a possibilidade de o dinheiro ser aplicado corretamente é mínima." Prova disso foi a última blitz do TCU - de 28 convênios analisados, do período 1999 a 2005, só dois não tinham fraudes, como desvios e falta de estrutura. Denúncias envolvendo ONGs despontaram em grande número nos últimos anos: desvios na Petrobrás, Operação Sanguessuga, atendimento à saúde em tribos, Banco de Brasília (BrB) e Programa Brasil Alfabetizado. Para Tatiana Dahmer Pereira, da diretoria executiva da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), "são fundamentais as denúncias quanto à malversação de recursos públicos". Tatiana diz porém, que é importante também "apresentar a outra face", ou seja, "trabalhos sérios de organizações que não têm visibilidade e cuja atuação em muito tem contribuído para a construção de direitos e o aprofundamento da democracia". LIMBO JURÍDICO Muito se fala, mas ninguém se entende ao tentar definir o que é uma ONG, figura que não existe na lei. Admite a própria Abong que "a definição textual é tão ampla que abrange qualquer organização de natureza não-estatal". Pode ser uma associação ou fundação, mas nem toda associação ou fundação é ONG. A entidade ainda pode se candidatar ao título de organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) - essas sim registradas no Ministério da Justiça. No Orçamento da União, a indefinição é maior: todos os pagamentos caem na classificação genérica das "entidades privadas sem fins lucrativos". Com base nesse item - a "modalidade de aplicação 50" - foram feitos todos os cálculos até hoje. Essa lista de pagamentos indica a liberação de R$ 1,07 bilhão neste ano para o setor, de um total autorizado de R$ 3,23 bilhões. Encabeça a lista a cifra de R$ 187 milhões liberada para o Comitê dos Jogos Pan-Americanos. O último item é uma transferência de R$ 0,03 para o Partido da Causa Operária (PCO) - três moedas. Só que nem todos os pagamentos ali listados são para ONGs e nem todos os repasses para essas entidades estão na lista, adverte o economista Gil Castelo Branco, do site Contas Abertas. "Há uma confusão muito grande e, como ninguém sabe a diferença, estão sendo divulgados números equivocados. Ninguém sabe quanto é gasto com ONGs no Brasil. Quem disser que sabe está mentindo", diz.

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