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‘Se houve os Anões do Orçamento, agora tem os Gigantes do Orçamento’, diz deputado

Jorge Solla (PT-BA) questionou ministro da CGU em audiência pública sobre ‘feirão de emendas’ no Congresso

Foto do author Felipe Frazão
Por Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA – O deputado federal Jorge Solla (PT-BA) disse ao Estadão que atualmente ministros têm de recorrer ao “carimbo” de parlamentares para conseguir aplicar os recursos das próprias pastas. O deputado de oposição ao governo Jair Bolsonaro foi o responsável por questionar, durante uma audiência pública, o ministro Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) sobre a suspeita de que tenha se instalado no Congresso um “feirão de emendas”, com pagamento antecipado de propina de volta aos congressistas.

O deputado federal Jorge Solla. Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

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Na entrevista, afirmou que ainda não tem indícios de quem operacionaliza o esquema, mas afirma que o governo criou os “Gigantes do Orçamento”. “Lembra dos Anões do Orçamento, na década de 1990? O que estamos vivendo hoje é infinitamente maior. Aquilo que era anão comparando com o que estamos vivendo hoje. Ouvi um comentário interessante: Se houve os Anões do Orçamento, agora tem os Gigantes do Orçamento”, comparou o parlamentar.

A venda de emendas ocorre na base do governo e na oposição?

Não estamos falando daquelas emendas parlamentares individuais, que todo deputado tem uma cota igual. Estamos falando de RP9 (código da emenda relator-geral do orçamento), do orçamento secreto, usado para comprar votos para garantir que não tenha impeachment e o apoio da base do governo. Não é republicano, quem tem são alguns parlamentares.

E qual a relação com as eleições de 2022?

Eu fui a um município do interior da Bahia, que com muito esforço consegui colocar uma emenda de R$ 300 mil. O deputado da base do governo colocou R$ 3 milhões.

Qual município e qual deputado?

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Me permita não citar. Como eu disse ao deputado: ‘Por mim você coloca R$ 5 milhões, que o dinheiro chegue para beneficiar a população. Mas o que deveria divulgar é que nós estamos colocando R$ 300 mil de R$ 15 milhões (cota das emendas individuais) e você está colocando R$ 3 milhões de R$ 150 milhões’. O pessoal do baixo clero do governo está falando em R$ 80 milhões, os líderes, em R$ 150 milhões a R$ 200 milhões.

O sr. poderia dar um exemplo?

Os aportes do governo com a base têm sido tão generosos que tem deputado pedindo indicação de onde colocar o dinheiro, já não sabe mais onde colocar. Tiveram que aumentar o limite do dinheiro permitido para Saúde, em média e alta complexidade, aos municípios. Justificaram com a pandemia. Hoje temos as Santas Casas que não têm padrinho ligado ao governo e as Santas Casas apadrinhadas. As primeiras vão fechar, e as segundas estão vivendo como nunca, tiveram favores e vantagens. O ministro da Saúde (Marcelo Queiroga) disse que não tem orçamento para executar novas políticas, melhorar a remuneração do SUS, para fazer nada, com 12% sendo pulverizado nas indicações parlamentares, principalmente, por meio do RP9. Quando o Ministério da Saúde quer fazer investimento ou minorar a crise de um hospital filantrópico tem que pedir a um deputado para apadrinhar porque não tem mais autonomia para fazer isso. O ministério tem que colocar o carimbo de um parlamentar para poder justificar a liberação de um pedaço do orçamento RP9.

Como circulam no Congresso as informações sobre essa venda de emendas?

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Não é só no dentro do Congresso, não. Converse com prefeitos, governadores, técnicos dos ministérios. Todo mundo sabe disso.

O que o sr. achou da explicação do ministro de que estão investigando?

Foi interessante o fato de ele admitir que os problemas existem. Ele admitiu aquele estudo que disse que 61% dos convênios tinham indícios fortes e extremos de sobrepreço, que tinha licitações com sobrepreço, inclusive algumas suspensas. Ele admitiu aquele evento do Rogério Marinho (ministro do Desenvolvimento Regional) no Rio Grande do Norte, distribuindo equipamentos pré-lançamento da candidatura dele a senador e disse que iria apurar se a distribuição acontecia para todos os Estados. Admitiu que existia a venda de emendas parlamentares, que estavam investigando, acionando inclusive a Polícia Federal. O ministro da CGU admitiu todos esses problemas, alguns que vocês já tinham divulgado no Estadão, e outros que eram alvo de denúncia no Congresso.

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O ministro Wagner Rosário pediu ajuda ao parlamento para indicar quem são os reais responsáveis pelas emendas de relator, embora os ministérios tenham essas informações, como o Estadão já revelou. É uma forma de se esquivar?

A CGU deveria cobrar essa informação do Executivo, é quem libera o recurso em última instância o recurso e quem tem a chave do cofre. Não tem muito sentido a CGU depender de informação, de quem indicou ou efetivamente liberou a emenda, é meio estranho.

Houve uma inflexão no discurso do ministro, que vinha minimizando os casos.

A quantidade de denúncias é tão grande que fica difícil negar o que já é público. Agora, a maior preocupação é que o Orçamento do ano que vem enviado pelo governo não mostra inflexão dessa forma de conduzir a construção e a execução orçamentária.

É crível que com o Centrão no comando da Câmara esse mecanismo possa mudar?

O Centrão está no melhor dos mundos, no paraíso. Eles não querem tirar o Bolsonaro, querem que ele continue ajoelhado no milho, um presidente fraco, destroçado politicamente, o governo entregue na mão do PP (Progressistas). Vamos colocar nome no Centrão? Esse negócio de Centrão, ninguém sabe quem é, até porque não é centro, extrema direita nunca foi centro. Estamos falando do PP e seus aliados. Inclusive estão anunciando que será o partido oficial do presidente. Arthur Lira é o presidente da Câmara que provavelmente teve mais poder desde a redemocratização. Ciro Nogueira está com a caneta das nomeações e a chave do cofre. E agora vão botar o presidente dentro do partido, para amarrar mais ainda. Ele agora estará algemado e trancado. Vão mudar?

O sr. comparou a venda de emendas a um “mercado persa”. Por que usou essa imagem?

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Quando tem uma votação importante, todo mundo sabe que os valores do RP9 serão mecanismo de garantia dos votos.

Tem um mercador que gerencia?

O ministro Wagner Rosário pode apurar isso.

Que dimensão tem o mercado persa das emendas hoje no Congresso?

Não tenho a quantificação precisa disso, mas lembra dos Anões do Orçamento, na década de 1990? O que estamos vivendo hoje é infinitamente maior. Aquilo que era anão comparando com o que estamos vivendo hoje. Ouvi um comentário interessante: Se houve os anões do orçamento, agora tem os gigantes do orçamento.

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