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‘Se for para revisar passado, é preciso condenar todos’

Adams diz que governo pode ir ao Supremo em caso de rejeição das contas, mas acredita que ‘isso não acontecerá’

Foto do author Vera Rosa
Por Vera Rosa , João Villaverde e Tania Monteiro
Atualização:

Brasília - O ministro da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, disse nesta quinta-feira, 23, que o Tribunal de Contas (TCU) não pode se transformar em uma instituição política como o Congresso. “Se for para revisar o passado, temos de condenar todo mundo, todos os governos anteriores”, afirmou. “Não dá para escolher a condenação.”

Um dia depois de entregar ao TCU a defesa da presidente Dilma Rousseff sobre as manobras nas contas do governo de 2014, conhecidas como “pedaladas fiscais”, Adams disse não haver crise institucional à vista. “Não acredito que o Congresso vá cassar a presidente, porque não há elementos jurídicos para isso.”

O ministro-chefe da CGU Luís Inácio Adams Foto: Estadão

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Estado - O governo continuará conversando com os ministros do TCU, mesmo após entregar a defesa?

A defesa é uma etapa do processo. Nosso esforço agora é convencer o tribunal. Sinceramente, acredito que, apesar de toda a controvérsia política, o tribunal tem que funcionar como instância jurídica, técnica, com garantias para julgar temas com independência.

Estado - Há um temor do governo de que o debate seja político?

No Congresso será político. O que não quer dizer que na formulação do parecer do TCU esse debate tenha que ser político. Ao contrário. Para garantir que o debate não seja baseado nas conveniências políticas é que o direito se impõe no TCU.

Estado - O governo está seguro de que não descumpriu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Caso haja rejeição, pode recorrer ao Supremo?

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O que o governo poderia fazer em tese é que, se o processo de alguma maneira violar o devido andamento legal, isso pode ser levado ao Supremo. O STF tem sido muito garantista nisso. Independentemente do resultado, o STF tem sido muito insistente em que a deliberação deve ser muito respeitosa às garantias constitucionais mínimas. Mesmo no caso de um parecer, o tribunal deve sempre respeitar todo o processo legal. Evidentemente, é uma possibilidade, mas não acredito que isso acontecerá.

Estado - Considera adequado o relator do caso no TCU, Augusto Nardes, ter visitado os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha, e do Senado, Renan Calheiros, para entregar a defesa do governo?

Não tomei conhecimento dessa reunião. Acho que o tribunal ainda está apreciando, não é? Nesse exercício de apreciação, o tema não é encaminhado ao Congresso. Vamos aguardar a deliberação do TCU. É o parecer do TCU que deve ser encaminhado ao Congresso, junto com a nossa defesa.

Estado - O TCU está sendo pressionado a reprovar as contas do governo?

Acho que existe um movimento que procura dar ao tribunal uma contingência política, que envolve a busca de abreviar o mandato, de responsabilizar a presidente. O TCU não pode se transformar em um tribunal político, porque daí perde a legitimidade republicana que lhe dá a legitimidade.

Estado - Caso o TCU aprove as contas, o governo pode voltar a atrasar os repasses do Tesouro?

Se o TCU entender que é correto, vamos continuar fazendo. Mas somente se o TCU aprovar as contas e não fizer qualquer ressalva a prática. Se houver ressalva, nós vamos nos adaptar, como já nos adaptamos.

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Estado - O governo está sem saída?

O que existe é a compreensão de que as instituições evoluem, a realidade política evolui e muda. Pegamos os EUA como exemplo: a mesma Constituição que permitiu o apartheid foi a mesma que acabou com ele. A lei não mudou, foi uma mudança de percepção e entendimento. Essa mudança não alterou o passado, mas sim o futuro. Temos que parar de condenar o passado e condenar o futuro.

Estado - Está descartada a hipótese de condenar apenas as contas de 2014, então?

Se for para revisar o passado, temos que condenar todo mundo. Não dá para escolher a condenação. O direito não admite isso. Segurança jurídica é isso: as pessoas assumem comportamentos de acordo com premissas que orientam seu presente. Qualquer mudança de premissa vale para o futuro.

Estado - Na defesa há tabelas que mostram saldo da Caixa de 1994 a 2015. É um universo razoável?

O conceito aqui é qual? Que o governo atrasou o repasse para a Caixa e, ao deixar de transferir, a Caixa precisou usar recursos próprios para pagar uma obrigação do Estado. Usar o cheque especial não tem nenhuma relação com volume, mas com o fato de usar o cheque especial. O argumento que tem sido usado é que o volume desses atrasos foi maior em 2014. Isso é irrelevante. Se usei o cheque especial por um real ou por 30 mil, não interessa. Usou, usou. Não dá para segmentar o conceito para aplicar num ano de maneira interessada. A Caixa perdeu dinheiro e os correntistas da Caixa foram prejudicados? Não. A Caixa sempre pagou juros à União, em todos os anos.

Estado - Se as contas forem reprovadas, isso chegará a um Congresso hostil. Como esperar isenção?

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Por mais que o Congresso seja instância política, ele é profundamente sensível ao Direito. Não acredito que o Congresso vá julgar de maneira arbitrária. Não acho que o Congresso vá cassar (Dilma) porque os elementos jurídicos não permitem.

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