''''Se é para ficar com desgaste, vamos fazer logo uma CPI''''

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Por Vera Rosa e Lu Aiko Otta
Atualização:

Dias depois de ter batizado a tentativa de investigar a farra dos cartões corporativos com o sugestivo nome de "CPI da tapioca", o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, foi obrigado a defender a proposta, adotada pelo governo a contragosto para se antecipar ao bombardeio da oposição no Congresso. Mas, embora engrosse o coro dos que querem ampliar a apuração para vasculhar despesas do governo Fernando Henrique Cardoso, o ministro afirma que o foco da CPI não pode ser familiar. "Não vamos jogar tapioca no ventilador", diz Bernardo. "Não temos de mexer com a família nem do presidente Lula nem do ex-presidente FHC." A tapioca que tem provocado indigestão no governo custou R$ 8,30, pagos indevidamente com cartão corporativo pelo ministro do Esporte, Orlando Silva, em maio do ano passado, num restaurante de Brasília. Apesar dos escândalos que cercam o cartão corporativo, por causa do uso irregular, Bernardo defende o mecanismo para pagamento de pequenas despesas, por considerá-lo mais fácil de fiscalizar. Recomenda, porém, que ministros não usem o dinheiro eletrônico, para evitar problemas, e anuncia mudanças no método de prestação de contas. Nesta entrevista ao Estado, Paulo Bernardo diz que o Planalto não pode continuar na berlinda, apanhando por erros alheios. "O governo tem obrigação de explicar seus gastos, mas isso não quer dizer que temos de ficar quietos com demonstrações explícitas de demagogia", argumenta o ministro, numa referência aos ataques dos adversários. Munido de tabelas recheadas de números, o ministro do PT jura, ainda, que o governo Lula leva vantagem sobre a administração de Fernando Henrique na comparação dos gastos. "Talvez de um lado tenha tapioca e, de outro, queijo emental ou brie", provoca. O governo mudou de estratégia e propôs uma apuração dos últimos dez anos, para atingir o governo Fernando Henrique. Por que o sr. foi voto vencido? Eu acho que seria dispensável fazer uma CPI. Nós poderíamos fazer isso com auditoria, com acompanhamento público. Mas também não podemos ficar só apanhando. O governo tem obrigação de explicar os seus gastos, mas isso não quer dizer que temos de ficar quietos com demonstrações explícitas de demagogia. Não dá para tolerar uma pessoa fazendo discurso indignado quando a gente sabe que a indignação é tão falsa quanto os cabelos do cidadão. De quem o sr. está falando? Eu não estou falando de ninguém especificamente. Deputados e senadores da oposição diziam: "Pode até não ter uma CPI na Câmara, mas vai ter no Senado." Então, se é para ficar numa briga enorme, com um desgaste terrível, vamos fazer logo uma CPI e pôr os pingos nos ?is?. Nós não temos medo de CPI. A intenção é comparar que governo gastou mais? Isso é público. Em 2002, o volume de suprimento de fundos atingiu R$ 233 milhões. No ano passado, com os Jogos Pan-Americanos no Rio e com os dois censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nós gastamos R$ 177 milhões. Em 2006, foram R$ 127 milhões. Eu vi um ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) dizendo que é preciso acabar com o cartão. Então vamos voltar a 1950? O que é isso, gente? Então vai ser tapioca para todo lado na CPI? Talvez de um lado tenha tapioca e de outro, queijo emental ou brie. A intenção do governo de estender a investigação da CPI para o Legislativo e o Judiciário não é uma manobra para fazer com que tudo termine em pizza? Por que vai virar pizza? Será que a oposição é contra estender a investigação, pegando de 1998 em diante? Se alguém acha que não pode incluir todos os órgãos, que peça para tirar. O sr. acha que a oposição será favorável a fazer uma investigação abrangendo filhos do presidente Lula e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso? Não temos de mexer com a família nem do presidente Lula nem do ex-presidente Fernando Henrique. Aí, sim, seria jogar tapioca no ventilador e isso nós não vamos fazer. A CPI é para avaliar se há problemas na execução dos gastos com cartão corporativo e nas contas tipo B (que funcionam como cartão, exceto pelo uso de cheques). Provavelmente, haverá incorreções dos dois lados, mas quero lembrar que as contas deles não têm a transparência do cartão, criado em 2001. Se o governo constatou que as contas tipo B têm mais problemas que o cartão, por que esperou a porta ser arrombada para agir? Não esperamos. Não é verdade. Mas só depois dessas denúncias envolvendo a ex-ministra Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial, que acabou deixando o cargo, é que o governo tomou providências... Não seja injusta. A porta não foi arrombada. A porta foi escancarada pelo governo. Se alguém fez algo errado, vai ter que responder por isso. Há despesas no mínimo estranhas, como a compra de esteira ergométrica por seguranças do presidente e a reforma da mesa de sinuca do Ministério das Comunicações. Como o governo explica esse tipo de gasto? É preciso ver em que contexto as coisas se encaixam. Será que todas as compras estão erradas? Disseram, por exemplo, que alguém tinha gasto dinheiro num pet shop. Fomos verificar e era uma faculdade de Veterinária que teve de comprar remédio para cavalo. Quanto à mesa de sinuca, aparentemente isso está errado. Mas eu descobri que aqui no ministério temos uma sala que os servidores usam para sessão de cinema. Quer dizer que tem um projetor e um dia pode aparecer um gasto com conserto de projetor. Aí vão falar: "Para que o Planejamento tem um projetor?" A gente tem de olhar essas coisas. E a esteira ergométrica? Normalmente as pessoas que fazem serviço de segurança são militares e têm de se exercitar. Essa curiosidade em torno dos gastos do governo é absolutamente normal e só é possível de ser saciada porque estamos colocando na internet todos os nossos gastos. Mas, depois desses escândalos, o governo vai tirar informações sobre gastos da internet... Não vamos tirar nada. Quando lançamos o Portal da Transparência, o presidente Lula disse que queria que os cidadãos ajudassem a fiscalizar o governo. Então não podemos agora reclamar que alguém esteja verificando os gastos e achando coisas que considera inconsistentes. Agora, eu duvido que na Alemanha alguém vá querer saber onde se compra alimento para a primeira-ministra Angela Merkel.Temos de administrar a demanda por transparência com segurança e bom senso. Por que vamos ficar dando sopa? Por que o sr. está recomendando agora que ministros não usem mais o cartão corporativo? Eles são maus gastadores e esbanjam dinheiro público? Não se trata disso. Mas não há motivo para um ministro ter um cartão para autorizar gastos para ele mesmo. É muito mais conveniente que isso seja feito por outro servidor. Foi esse o princípio que nos levou a enviar uma recomendação nesse sentido. Não é uma proibição, até porque um ministro não dá ordem para outro, mas acreditamos que a orientação será acatada imediatamente. Substituir o uso do cartão pelo pagamento de diárias, quando os ministros estiverem em viagem, não é um retrocesso? Não é retrocesso. Acaba com esse problema. Se um assessor do ministro viaja, por exemplo, ele ganha uma diária. Essa diária está muito defasada e estamos revisando a tabela. Agora, avaliamos que, no caso dos ministros, também poderíamos simplesmente pagar uma diária quando ele viaja. Como é possível melhorar a prestação de contas de ministros e funcionários e impedir falcatruas? Daqui a 60 dias ninguém vai poder mais dar cheque e em 90 dias a conta tipo B será encerrada. Estamos mudando o nosso sistema para que, mesmo nos casos dos saques autorizados, a prestação de contas seja feita pela internet: a pessoa vai ter de informar CGC, razão social, tudo. Daqui para a frente, o próprio gestor vai pensar antes: eu posso consertar uma mesa de sinuca? Se eu fizer isso, não vão dizer que estou gastando dinheiro público à toa? O presidente Lula não está preocupado com essa novela interminável dos cartões? O presidente tem todo o interesse em que essas coisas sejam as mais claras possíveis. Quando o consultamos sobre a possibilidade de o governo apoiar a abertura de uma CPI, ele disse: "Vamos em frente, tem que fazer isso mesmo. Temos que passar todos esses assuntos a limpo." Mas para que os aliados não cobrem uma fatura ainda mais alta, o governo negocia cargos no setor elétrico. Quando serão concluídas essas negociações? Até onde eu sei isso está tudo praticamente concluído. A partir daí, vamos pegar os currículos que não tiverem sido aproveitados e deixar para o próximo governo. Os aliados dizem que, se esses cargos não saírem nesta semana, o governo pode ter problemas em votações importantes, como na do Orçamento... O governo sempre tem problemas em votações importantes no Congresso, mas geralmente conseguimos aprovar aquilo que é de interesse. O sr. não teme que a gastança com os cartões dê argumento para deputados e senadores na votação do Orçamento da União, já que ninguém aceita o corte nas emendas parlamentares para compensar a perda de receita com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF)? Isso pode acontecer, mas temos de pôr as coisas em proporção. Estamos falando de gastos com cartão de R$ 78 milhões. Só as emendas individuais dão R$ 4,7 bilhões e as coletivas chegaram a R$ 12 bilhões no ano passado. O governo vai mesmo cortar R$ 20 bilhões do Orçamento ou a tesourada pode ser reduzida? Nós temos obrigação de cortar R$ 20 bilhões. Imediatamente após a votação da CPMF, quando fomos derrotados, o presidente chamou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e falou: "Anuncie que vamos manter o superávit primário." Mas desde a derrota do governo na votação da CPMF, o ministro da Fazenda parece enfraquecido no governo. Ele não está numa situação muito confortável... A CPMF é coisa do passado. Ministro da Fazenda fraco já é forte o suficiente. É como você achar que o leão é velho e pode chutar a perna dele. Aí ele arranca a sua perna. Não tem esse negócio de ministro fraco. Mesmo que não tivéssemos cometido erros na negociação da CPMF, dificilmente conseguiríamos renová-la porque a oposição queria paralisar o governo. O ex-presidente Fernando Henrique chegou a dizer: "Vamos tirar dinheiro do Lula."

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