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Saúde é a área mais mal avaliada de todas as últimas gestões

Por Adriana Carranca
Atualização:

Os três dos candidatos à Prefeitura de São Paulo que já ocuparam o posto anteriormente falharam na saúde. A área se tornou o calcanhar de Aquiles das administrações municipais. Na opinião dos eleitores, foi neste setor que os prefeitos Paulo Maluf (1993-1996), Marta Suplicy (2001-2004) e o atual, Gilberto Kassab (2006-2008), tiveram o pior desempenho. Na gestão José Serra (2005-2006), que apóia o candidato tucano Geraldo Alckmin, não foi diferente. As entrevistas foram feitas no penúltimo ano das administrações, exceto por Maluf, realizada ao fim da gestão. A saúde foi a área de pior desempenho de Kassab para 23,1% dos entrevistados, seguida dos transportes, para 12%. A enquete foi respondida por 605 moradores e eleitores, de ambos os sexos e com idades entre 18 e 70 anos, distribuídos proporcionalmente à população de cada região da cidade, critérios adotados em todas as pesquisas. Na gestão Serra, 31% apontaram a saúde como pior área, também seguida dos transportes, com 16,3%. Na administração Marta, a insatisfação com saúde e segurança foi similar, para 19,5% e 17,7%, respectivamente. Maluf foi o que teve a pior avaliação da área: para 50,6%, a saúde era o principal problema, seguida da violência. Isso, apesar de a saúde ter sido a principal bandeira de Maluf e de seu sucessor, Celso Pitta, que iniciaram a terceirização dos serviços municipais com o Plano de Atendimento à Saúde (PAS). O programa gerou polêmica e foi alvo de denúncias. "Os médicos tinham de aderir ao PAS, formando cooperativas para administrar cada unidade, ou eram afastados. Conheço profissionais tarimbados que foram cuidar de asfalto", diz o médico Clóvis Constantino, do Conselho Federal de Medicina. "Até alimentação e lavanderia eram terceirizados. Isso dificultava a fiscalização." Ele, no entanto, não é contra a terceirização, adotada até hoje com o repasse da gestão dos equipamentos públicos às chamadas Organizações Sociais (OSs), entidades sem fins lucrativos do terceiro setor. "Essas parcerias otimizam recursos e as organizações sociais são entidades com tradição na gestão da saúde, como o Hospital Santa Catarina", defende. Outra vantagem é que as OSs podem administrar várias unidades na mesma região, o que, em tese, facilitaria a integração dos serviços, embora isso ainda não funcione bem na prática. A falta de integração entre as unidades com funções diversas e de fluxo no encaminhamento dos pacientes são o principal gargalo da saúde, segundo os especialistas. "As Unidades Básicas de Saúde (UBSs) não conversam com os hospitais municipais nem estaduais, não há um sistema de informações integrado", diz Paulo Mangeon Elias, do departamento de Medicina Preventiva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, é preciso garantir que o paciente recebido nos postos de atendimento básico - as chamadas portas de entrada - sejam encaminhados para exames laboratoriais e tratamento, quando necessário, o que ainda é falho. "Essa coexistência de diferentes modelos como UBS, AMA e PSF dificulta a gestão. E o atendimento de média complexidade continua falho. Você faz consulta, mas espera meses por um exame ou atendimento que demande especialidade, como oncologia e cardiologia", diz Áurea Ianni, pesquisadora do Instituto de Saúde do Estado. Ela defende uma estratégia metropolitana, já moradores das cidades vizinhas buscam atendimento em São Paulo. DESCONTROLE As OSs receberão repasses de R$ 168 milhões neste ano e já gerenciam 226 das 412 UBSs e 57 das 115 unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMAs), além de quatro prontos-socorros, quatro unidades de pronto-atendimento (menores, para emergências) e 69 outros serviços. Embora seja elogiado por boa parte da comunidade médica e da administração da saúde por otimizar recursos e dar maior agilidade ao sistema, como na contratação de profissionais e compra de equipamentos, já que dispensa licitações, o processo é hoje duramente criticado por falta de controle nos repasses de dinheiro público. O Tribunal de Contas do Município (TCM) apontou falta de fiscalização na transferência de verbas e de exigência do cumprimento de metas de atendimento, como previsto na Lei Municipal 14.132, de 2006, que regulamentou as OSs. Com base em relatórios do TCM, o Ministério Público move uma ação civil pública contra a Prefeitura. "A prestação de contas sobre a aplicação dos recursos tem de ser mensal porque, se houver sobras, isso deve ser compensado no repasse subseqüente. Mas o Programa Saúde da Família, por exemplo, funciona desde 2001, com parte da gestão terceirizada via convênios ou OSs e a primeira análise dos repasses só foi feita em 2005", diz a promotora de Justiça Anna Trotta Yaryd. Em resposta, a Secretaria Municipal de Saúde informou que a ação se refere a contratos anteriores e que o controle de repasses é feito trimestralmente, sendo compensadas as sobras no quarto mês. O médico Oswaldo Tanaka, professor do Departamento de Prática de Saúde Pública, da Faculdade de Saúde Pública da USP, defende a criação de uma agência reguladora "forte e competente" para a saúde. "O setor privado produz mais com menos. Mas é preciso aprimorar as parcerias, garantindo a eficiência dos serviços geridos pelas entidades", diz o médico. COLABOROU FABIANE LEITE PRINCIPAIS PONTOS DO SISTEMA MUNICIPAL UBS: É a porta de entrada no sistema, onde são agendadas consultas com clínico-geral, ginecologista, pediatra e vacinação AMA: Atendimento sem consulta marcada para casos de baixa complexidade, como diarréia, dores, pequenas contusões, problemas respiratórios PSF: Criado pelo Ministério da Saúde, em 1994, prevê atendimento integral por equipe multiprofissional - clínico-geral, enfermeiro e dois auxiliares, cinco agentes comunitários - responsável por 4 mil famílias ORGANIZAÇÕES SOCIAIS O que são: Para caracterizar-se como organização social, a entidade não pode ter fins lucrativos e deve atender a princípios como legalidade, impessoalidade e moralidade. Elas recebem repasses da Prefeitura para gerir hospitais e unidades de saúde Principais gestores: Casa de Saúde Santa Marcelina, Associação Congregação Santa Catarina, Fundação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e Irmandade da Santa Casa de São Paulo, entre outros PROBLEMAS DO SISTEMA: Falta de integração entre os serviços das unidades e hospitais Há falhas e demora no encaminhamento dos pacientes, após atendimento nas UBSs e AMAs, chamadas de portas de entrada Faltam serviços especializados, como oncologia e cardiologia, e o agendamento de exames pode demorar meses Ainda não há uma estrutura bem montada para tratamento contínuo de doenças agudas Os repasses para OSs são feitos sem fiscalização ou exigência do cumprimento de metas SAÚDE EM NÚMEROS R$ 4,9 bilhões é o orçamento da saúde em 2008 412 unidades Básicas de Saúde (UBSs) 115 unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMAs) 1.052 equipes do Programa Saúde da Família (PSF) 16 hospitais e prontos-socorros, além de unidades de menor porte, para pronto-atendimento de casos mais graves

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