Sarney pressiona por tombamento de seu sítio

Órgão responsável diz que não há interesse histórico no local, mas pedido conta com a simpatia do secretário de Cultura e do governador do Distrito Federal

Por Rosa Costa e Felipe Recondo
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Uma casa de três quartos, com campo de futebol e piscina, a 35 quilômetros de Brasília, pode entrar para a lista de obras tombadas como patrimônio histórico do Distrito Federal. O Sítio São José do Pericumã, onde José Sarney (PMDB-AP) passava os finais de semana quando era presidente da República, entrou para a lista de candidatos a patrimônio preservado pelo poder público por pressão do próprio senador. Sarney até convidou o arquiteto Oscar Niemeyer para preparar um projeto para a área. Da época em que era presidente para cá, Sarney foi diminuindo suas visitas ao sítio. No final do ano passado, aproveitou a valorização dos imóveis em Brasília para vender 500 hectares da propriedade para a construção de um condomínio de luxo. Entre os sócios do empreendimento, além de Sarney, está o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakai. Ele conta que entrou no negócio como parte dos honorários recebidos por defender a senadora Roseana Sarney (PMDB-MA) no caso Lunus, como ficou conhecida a suspeita de que ela, então pré-candidata à Presidência, teria sido favorecida pelo desvio de recursos do Estado para sua campanha. "Não sabia desse pedido de tombamento", disse. De volta à Presidência do Senado, Sarney passou a pressionar o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), por intermédio de um colaborador antigo, Silvestre Gorgulho, ex-assessor de imprensa da Presidência durante seu mandato e atual secretário de Cultura do DF. Ele apoia o pedido de Sarney e a sua posição é a mesma de Arruda, de acordo com a assessoria do governador. Segundo o presidente do Senado, a proposta de tombar o sítio foi acordada com Arruda. A ideia seria criar um roteiro turístico que incluísse as casas dos antigos presidentes: a Fazendinha de Juscelino Kubitschek, o Catetinho, o Pericumã e a Casa da Dinda, do ex-presidente Fernando Collor de Mello. PRECEDENTE A dificuldade maior para viabilizar o tombamento é saber como passar por cima do parecer técnico da Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico do Distrito Federal (Depha), órgão competente para avaliar se a casa tem algum valor para a história da cidade. E o documento ridiculariza o pedido feito por Sarney. Na cidade em que estão tombadas pelo Patrimônio Histórico Nacional apenas obras de Oscar Niemeyer e o Catetinho, a residência oficial de JK na época da construção de Brasília, o Depha classifica o próximo patrimônio histórico de Brasília como uma simples "casa de fazenda" com traços arquitetônicos típicos de uma "propriedade destinada ao lazer de finais de semana". Do ponto de vista histórico, argumenta o Depha, a casa não traz à memória nenhum fato que justifique o tombamento. Mas a maior preocupação do órgão é o precedente que o tombamento do sítio de Sarney pode abrir na cidade. "Do ponto de vista político, se por um lado o tombamento estreita as relações do Executivo local com o Legislativo, por outro lado abre precedentes para que ex-presidentes reivindiquem por motivos similares a tutela de sua propriedade. E a oposição não se furtará a utilizar o tombamento para expor o GDF (governo do Distrito Federal) a comentários maldosos, a banalização do tombamento, o poder de barganha e outros, sobretudo em épocas de eleição", sentencia o parecer. HISTÓRIA Uma alternativa sugerida pelo departamento para agradar Sarney e evitar a banalização dos processos de tombamento seria preservar somente o acervo da biblioteca da casa. Mas Sarney resiste à alternativa: se fosse tombada sua biblioteca, não poderia mais pegar os livros que quisesse e na hora em que desejasse. Apesar das recomendações técnicas, Arruda está disposto a dizer sim para Sarney. As razões são expostas pelo secretário de Cultura do DF: "O Pericumã foi palco de decisões fundamentais para o restabelecimento do Estado de Direito no País", alega. "No Pericumã, o presidente da Nova República recebeu o primeiro presidente eleito depois da Constituição de 1988", acrescenta. E, por fim, no Pericumã se reuniram as lideranças do governo militar e do Congresso que "fundaram" a Nova República, como ficou conhecida a fase do País que sucedeu a ditadura dos generais.

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