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''''São Paulo perderá de várias formas''''

Mauro Ricardo Costa: secretário de Fazenda de São Paulo. [br]Para secretário, discussão sobre partilha de recursos será 'infindável' e pode atrapalhar a tramitação da reforma tributária

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Por Ribamar Oliveira e BRASÍLIA
Atualização:

Enquanto sua equipe passa o pente-fino na proposta de reforma tributária entregue ao Congresso pelo governo quinta-feira, lendo "frase por frase, palavra por palavra", o secretário de Fazenda paulista, Mauro Ricardo Costa, já formou uma convicção: a de que São Paulo "perderá de várias formas". Uma delas seria a redução significativa da alíquota interestadual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Mauro Ricardo critica o fato de que o Fundo de Equalização de Receita (FER), a ser criado para compensar perdas, será constituído por recursos que já se destinam a Estados e municípios. Ele se refere ao ressarcimento pela desoneração de exportações prevista na Lei Kandir e ao Fundo IPI Exportação, pelo qual os Estados ficam com 10% do que a União arrecada com o Imposto sobre Produtos Industrializados, distribuídos de forma proporcional a suas exportações. "O que existe de efetivo até agora é a perda dos Estados." O secretário manifesta preocupação ainda com a partilha dos recursos arrecadados. O Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), que substituirá quatro contribuições sociais, vai integrar o bolo a ser dividido pela União com Estados e municípios. Dele também serão separados porcentuais para a seguridade social, a educação e o seguro-desemprego. Mauro Ricardo acha que os Estados e municípios vão querer aumentar sua participação e a perda recairá sobre o lado mais fraco, que é a seguridade social. Outro problema, para ele, é a incidência do IVA. "Vamos ter a mesma base com incidência de dois tributos", aponta, referindo-se ao ICMS e ao Imposto sobre Serviços (ISS), municipal. Ele acha que o risco de que a questão vá parar na Justiça "é grande". Os principais trechos da entrevista: Como o governo de São Paulo vê a proposta de reforma tributária? Estamos estudando a proposta de forma detalhada. Formamos uma equipe de 10 pessoas da secretaria, que está analisando frase por frase, palavra por palavra, letra por letra, vírgula e ponto para poder ter uma posição mais consistente em relação à proposta. São Paulo terá perdas? São Paulo perderá de várias formas. Com a redução da alíquota interestadual do ICMS de 12% e 7% para 2%, pois é um Estado exportador para outras unidades da Federação; perderá com relação à desoneração dos bens de uso e consumo; e com a redução do prazo de compensação dos créditos de bens de capital. Estamos quantificando as perdas para verificar a forma de compensação, pois São Paulo não pode perder recursos de destinação estratégica, para saúde, educação, segurança pública. O governo federal diz que o FER será criado justamente para compensar perdas dos Estados. Mas os recursos desse fundo já existem e são dos Estados, são do Fundo IPI Exportação e do ressarcimento pela Lei Kandir. A proposta está dizendo aos Estados: olha, vocês vão ser compensados com recursos que já existem e que já são distribuídos para todos. Lei complementar vai definir a participação da União nesse fundo. É isso, não está definida. Portanto, as receitas do fundo já existem e já estão distribuídas para Estados e municípios. O que existe de efetivo até agora é a perda dos Estados. São Paulo é contra mudar o critério de apropriação da receita do ICMS da origem para o destino? Não, pelo contrário. Propusemos alíquota do ICMS de 4% na origem e o restante no destino para que houvesse estímulo aos Estados para fiscalizar empresas que vendem a outras unidades da Federação. A alíquota interestadual zero - proposta inicial do governo - era um desestímulo. Se nada fica no Estado de origem da mercadoria, ou se muito pouco fica, há desestímulo muito grande à fiscalização. O Estado de origem vai ter toda a despesa de infra-estrutura, pois a empresa usufrui os serviços, e esse Estado não recebe nada. É preciso ter uma receita na origem e num porcentual que estimule o Estado a fiscalizar. Vocês estão propondo 4% e o governo federal 2% de alíquota interestadual. Pelo jeito, há possibilidade de entendimento. Espero que sim. É nossa expectativa. Podemos discutir no Congresso e ajustar a alíquota de forma que estimule os Estados de origem a fiscalizar. Mas uma alíquota de 4% não estimularia de novo a guerra fiscal? Nenhuma empresa vai se instalar em outra unidade da Federação por uma alíquota de 4%. Além disso, não haverá mais guerra fiscal, pois se um governador fizer guerra fiscal perderá sua parte do Fundo de Participação dos Estados (FPE), do FER e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (essas penalidades estão previstas na proposta de reforma). A reforma permite que os Estados elevem ou reduzam as alíquotas do ICMS de alguns produtos. É uma discussão que não estará na emenda, mas na lei complementar que regulamentará o ICMS. Isso dá uma pequena flexibilidade aos Estados para ajustar a composição de alíquotas. São Paulo, por exemplo, tem alíquota de ICMS para o álcool de 12%. Na maioria dos Estados é de 25%. Não interessa a São Paulo aumentar a alíquota para 25%. Então, é importante que haja essa flexibilidade para poder ajustar as alíquotas à realidade. Senão seremos obrigados a colocar as alíquotas no máximo permitido. Qual é sua opinião sobre o Fundo de Desenvolvimento Regional? É uma forma interessante de compensar os Estados e fazer política de desenvolvimento regional. Esperamos que o governo federal possa, com esses recursos, fazer uma política para diminuir as desigualdades entre as diversas regiões do País. Existe a avaliação de que a guerra fiscal não acabará porque os Estados terão recursos desse fundo até para dar subvenções às empresas que queiram atrair... Vai ser uma decisão da Assembléia Legislativa de cada Estado. No momento em que esses recursos estiverem alocados no Orçamento de cada Estado, os parlamentares definirão se é melhor aplicá-los em obras de infra-estrutura, em uma rodovia, uma ferrovia, ou dar para as empresas. Espero que cada Estado tome a melhor decisão, que é aplicar em infra-estrutura. Para melhorar as condições de um Estado é preciso aplicar recursos em infra-estrutura e em educação. Isso tornará a concessão de benefícios mais transparente? Se o Estado conceder subvenção, sim. Na sistemática atual, os recursos não entram no Orçamento. Na proposta, se o Estado quiser conceder benefício a uma empresa, terá que alocá-lo no Orçamento, de uma forma muito mais transparente. O IVA entra na base do ICMS? Ainda estamos estudando esse assunto. Nossa grande preocupação é que a proposta levou para o Congresso a discussão de partilha de recursos e não se sabe o que vai acontecer. Isso é uma coisa que nos preocupa por causa de uma perda potencial para a área da seguridade social. Principalmente a saúde. O bolo foi aumentado (com a incorporação do IVA à base das receitas que serão partilhadas com Estados e municípios) e agora a emenda diz que uma parte vai para a seguridade, outra parte vai para lá, outra vai para cá... Hoje, cada contribuição tem destinação específica. O que a emenda diz é: cria-se o IVA, inclui-se o IVA no bolo e o bolo vai ser distribuído da seguinte forma: tantos por cento para seguridade social, tantos por cento para a educação, tantos por cento para o seguro desemprego, tantos por cento para os Estados e para os municípios, etc. Essa discussão pode dificultar a tramitação da proposta? Uma discussão sobre partilha de recursos é infindável... Os Estados vão querer aumentar a participação no bolo, os municípios também e a perda recairá sobre o lado mais fraco, a seguridade social - saúde, previdência e assistência social. A área já perdeu a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), vai perder agora a receita da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)... Que outra dificuldade que o sr. aponta na reforma? O ressarcimento da Lei Kandir. Pela proposta, o FER perderá, ao longo dos anos, os recursos destinados a compensar perdas dos Estados com exportações de produtos industrializados e semi-elaborados. Os Estados reclamam de perda anual com a Lei Kandir de R$ 17,6 bilhões e recebem da União R$ 3,8 bilhões. O rombo é enorme. E os recursos ainda serão usados para o FER. Os Estados exportadores estão muito preocupados com isso. O que acha da incidência do IVA? O problema é que o governo federal vem, ao longo dos anos, se apropriando de uma base de tributação que era apenas do município ou do Estado, por conta das contribuições sociais. Antes a União não tributava serviços. Também não tributava circulação de mercadorias. Aos poucos, com a criação das contribuições, foi entrando nessa base de tributação, concorrendo com Estados e municípios. É outra grande preocupação. A União substituirá as contribuições por um IVA. As operações que são tributadas pelo ISS vão ter IVA e as operações tributadas pelo ICMS vão ter IVA também. Na realidade, vamos ter a mesma base tributária com incidência de dois tributos. A base do ISS terá também a incidência do IVA federal e a base do ICMS a incidência do IVA. Há risco de tudo isso ir parar no Supremo Tribunal Federal (STF)? O risco é grande. Toda vez que se cria um tributo, há risco jurídico. Já vimos isso no passado, de mudanças serem questionadas e até derrubadas pelo Supremo. Aí, seria o caos. Ficaríamos sem o antigo sistema tributário e não teríamos o novo. Como ficarão os incentivos fiscais já concedidos pelos Estados? Não se poderá mais dar novos incentivos ficais após a promulgação da reforma. Quer dizer que até lá pode? Não, não pode hoje, a não ser por decisão do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Com a reforma, os Estados vão continuar não podendo conceder incentivos fiscais, só que a penalidade será outra. O Estado que fizer isso vai perder o repasse do FPE e os recursos do FER e do Fundo de Desenvolvimento. Hoje não pode, mas todos fazem. Mas fazem de forma inconstitucional. Com a nova sistemática, continuará não podendo fazer, mas a penalidade será bem maior do que hoje. Mas não há qualquer referência no texto da proposta aos incentivos que já foram concedidos. Isso não é tratado na emenda. A idéia é ir reduzindo, gradualmente, os efeitos dos incentivos dados até 2015, pois a alíquota interestadual será reduzida ao longo do prazo de transição. O efeito dos incentivos vai sendo reduzido gradualmente. Em 2016, tudo acaba. O prazo de transição é razoável? Acho longo. O prazo de transição poderia começar no primeiro ano de implantação da proposta. Cinco anos depois, a alíquota interestadual estaria em 4%. E não no oitavo ano, como está na proposta. O prazo de 5 anos seria mais do que suficiente para que a reforma entrasse em vigor plenamente. Quem é: Mauro Ricardo Costa Foi secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo durante a gestão José Serra. De 1999 a 2002 presidiu a Fundação Nacional de Saúde e em 2003 e 2004 a Companhia de Saneamento de Minas.

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