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‘Ruído entre Bolsonaro e Moro é inevitável’, diz analista

Professor de Direito Penal da FGV, Davi Tangerino analisa a recente ‘fritura’ de Sérgio Moro por Bolsonaro e afirma que ‘não há nenhuma demonstração explícita’ de que o governo age para combater a corrupção

Por Vinícius Passarelli
Atualização:

Os recentes atritos entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, externados pelo presidente em declarações públicas - por exemplo, quando afirmou que Moro “não tem mais a caneta na mão”, como na época em que era juiz federal, e que “quem manda” na Polícia Federal é ele -, são inevitáveis. É o que analisa o professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Davi Tangerino

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“Existe um conflito de interesse potencial entre Bolsonaro de um lado, que sinalizou que talvez concorrerá à reeleição, e Moro de outro, com capacidade eleitoral de ser uma alternativa mais ou menos no mesmo campo ideológico nas próximas eleições”, afirmou em entrevista ao Estado.

Para ele, os movimentos de Bolsonaro de tentar interferir em órgãos de controle como a Polícia Federal (PF), a Receita Federal e o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), transformado em Unidade de Inteligência Financeira (UIF), vão na contramão dos movimentos anticorrupção que o ajudaram a se eleger e do próprio simbolismo de Sérgio Moro dentro do governo. “Seja sob o ponto de vista eleitoral, seja sob o ponto de vista de agenda, esse ruído é inevitável.”

Confira os principais trechos da entrevista com o analista:

O senhor enxerga hoje uma ruptura entre Bolsonaro e Sérgio Moro? E até mais que isso, uma ruptura entre Bolsonaro e Lava Jato?

Sim. Quando Bolsonaro anunciou que Moro seria seu ministro, alguém teria dito que não se deve escolher para ministro alguém que você não possa demitir. Houve dois personagens que emprestaram credibilidade desde o primeiro dia do governo para Bolsonaro: Paulo Guedes e Sérgio Moro. Só que o Paulo Guedes não está, ou pelo menos nunca se colocou no horizonte da sucessão presidencial. Existe um conflito de interesse potencial entre Bolsonaro de um lado, que sinalizou que talvez concorrerá à reeleição, e Moro de outro, com capacidade, digamos, eleitoral de ser uma alternativa mais ou menos no mesmo campo ideológico nas próximas eleições.

Agora, o Moro tem que ser contra o enfraquecimento do Coaf e essas ingerências na Polícia Federal, até pelo papel dele de ministro. Então, seja sob o ponto de vista eleitoral, seja sob o ponto de vista de agenda, esse ruído é inevitável. E, por último, tem a questão da proeminência da agenda legislativa. O Bolsonaro não está se envolvendo pessoalmente, aparentemente, pela aprovação do pacote anticrime no Congresso. Isso (a aprovação do pacote) dependeria de uma articulação com o Parlamento que acaba ficando só na conta do Moro, o que também deve gerar uma frustração do ministro por conta da desimportância que o projeto está tendo hoje no Legislativo. Acho que o conjunto de tudo isso aponta realmente uma rota de colisão. 

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O presidente Jair Bolsonaro ao lado do ministro da Justiça e Segurnaça Pública, Sérgio Moro Foto: Gabriela Biló/Estadão

O ministro Sérgio Moro enviou hoje um ofício ao ministro Paulo Guedes reclamando do orçamento que será disponibilizado para sua pasta em 2020. Até que ponto a diminuição do orçamento inviabiliza as políticas do MJSP? 

A preponderar que, como todos os demais ministérios, boa parte do orçamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública esteja comprometida com folha de pagamento, se você enxuga muito efetivamente você não consegue muito mais do que folha, e dentro da pasta há áreas que precisam de investimento: penitenciária, armamento, recursos tecnológicos. Sem olhar os detalhes do número, parece plausível que um contingenciamento expressivo impacte as políticas que ele pretendia desenhar para o próximo ano. 

O governo Bolsonaro combate a corrupção?

Não há nenhuma demonstração explícita nesse sentido. Ao contrário: o que a gente tem visto são algumas atitudes que vão até na contramão dos movimentos anticorrupção  até então construídos. Notadamente essa questão do Coaf, ingerências mal explicadas na Receita Federal, na Polícia Federal. Essas ingerências dentro de estruturas do Estado dão sinais negativos em relação a pauta de transparência.

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Eu não sou muito adepto à ideia de que corrupção se combate primordialmente com o Direito Penal. Corrupção se combate primordialmente com transparência de um lado e autonomia e independência dos órgãos de apuração do outro. Nós não estamos vendo movimento de fortalecimento de transparência e, ao contrário disso, temos visto movimentos contra a autonomia dos órgãos. Talvez o mais importante deles seja a questão da indicação do próximo procurador-geral da República. Aparentemente, a escolha vai ser de alguém fora da lista tríplice, o que mostra um certo desprestígio institucional de um órgão (Ministério Público Federal) que é muito importante no combate à corrupção.

O governo age para impedir ações contra sua família?

Acho que a gente tem que separar um pouco as coisas. Quando indagado sobre as mais de cem pessoas que ele contratou no gabinete ligadas à família dele, parte da resposta dele foi: "o que tem de mais nisso?". Essa lógica fica mais presente com toda essa movimentação para indicar seu filho (o deputado federal Eduardo Bolsonaro) à embaixada dos EUA. E, de novo, o discurso é importante: "se tem que ser o filho de alguém, por que não o meu?". Esta frase mostra muito como a dimensão da impessoalidade não é importante para ele. Se ele tivesse entendido a impessoalidade, ele não formularia essa pergunta. É justamente por ser filho do presidente que não pode.

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Já no caso do Flávio Bolsonaro, ele está usando as armas de defesa que tem. Eu não vi nenhum indicativo de que o Bolsonaro tenha pessoalmente se envolvido nessa questão para proteger o filho. O Flávio buscar o Supremo e tentar segurar as investigações, anular o Coaf, é do jogo, ele está no seu direito de defesa. Mas, aparentemente, quando o presidente do Coaf (Roberto Leonel, exonerado na semana passada) se manifesta publicamente lamentando a decisão e isso gera uma reação do Bolsonaro, aí sim parece haver uma sugestão de que o desagradou fato de um agente público ter tomado uma postura institucional, coerente com sua atuação, mas que colide com os interesses de seu filho. Nesse caso, mais uma vez temos um problema de impessoalidade.

Hoje Bolsonaro afirmou que “está para estourar” uma acusação contra alguém próximo a ele, que alega ser falsa. O presidente pode ter acesso prévio a  investigações?

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Tem que ver qual é a fonte dessa informação. Pode ser que o próprio investigado, o alvo da "bomba", tenha sabido de alguma forma da investigação e em dever de lealdade ao cargo avisou o presidente. Então o simples fato do presidente saber eu não acho problemático. Agora, se isso veio de um órgão que deveria manter sigilo sobre a investigação, é problemático. O fato de ele ser chefe do Executivo não quer dizer que ele pode tudo, parece uma coisa meio óbvia, mas a gente precisa repetir o óbvio em tempos recentes. O sigilo da investigação é oponível inclusive ao presidente da República, se ele não for o investigado. Em resumo: vai depender de qual foi a natureza da fonte. 

 

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