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RR prevê forte abalo na economia

Além do impacto imediato de saída de arrozeiros, especialistas alertam para efeitos a médio e longo prazos

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Por Roldão Arruda
Atualização:

O que vai acontecer com a economia de Roraima? Essa pergunta começou a ser feita com mais insistência nos últimos dias, diante do rumo do julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Supremo Tribunal Federal (STF), apontando para a retirada dos produtores de arroz do interior daquela área. A curto prazo já se sabe que, caso isso ocorra, haverá perdas de empregos, redução da oferta de arroz em três Estados - Amazonas, Pará e Roraima -, queda nas atividades industriais e comerciais em Boa Vista, diminuição na arrecadação de impostos. Não é só o efeito de curto prazo, porém, que está em discussão. De acordo com especialistas, é preciso observar o impacto a médio prazo: a expulsão dos arrozeiros tem o efeito de uma bomba no meio de uma classe média rural moderna, do ponto de vista capitalista, que está começando a se formar no Estado e tem nos arrozeiros um dos seus núcleos mais dinâmicos. Atrás deles estão vindo produtores de soja, de cana e de outros produtos agrícolas. Ouça relato do enviado especial Roldão Arruda "Depois disso, quem vai querer investir nesse Estado, que parece um caldeirão fervente de insegurança jurídica?", pergunta o secretário de Planejamento do Estado, Haroldo Eurico Amoras dos Santos. "A expulsão dos arrozeiros golpeia sobretudo o empreendedorismo numa região em que a presença do Estado é kafkianamente gigantesca, dominadora." Para entender melhor o que ele está dizendo, é preciso ir por partes. Em primeiro lugar, o curto prazo: ninguém sabe ao certo se os sete grandes arrozeiros que forem retirados da Raposa deixarão de produzir. Aquela não é a única região adequada para essa lavoura. Ao longo da BR-174, que atravessa o Estado, rumo à fronteira com a Venezuela, podem ser avistados outros grandes campos de arroz. Dos 25 mil hectares ocupados com a lavoura no Estado, 14 mil hectares (60%) estão em território indígena; outros 9 mil ficam em terras não contestadas. É provável que produtores peguem o dinheiro das indenizações e invistam em outras áreas, retomando a atividade. Se pararem de produzir, poderá ser o fim de aproximadamente mil empregos diretos, segundo cálculos do presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Nelson Massami Itikawa. Pode parecer pouco num Estado como São Paulo, com mais de 42 milhões de habitantes, mas é uma catástrofe em Roraima, o Estado cuja população mal chega a 400 mil habitantes e exibe a menor densidade populacional do País. Não existem outros setores produtivos em condições de absorver a curto prazo essa massa de trabalhadores. E eles sabem disso. Na quinta-feira à tarde, enquanto vigiava o nível da água no meio dos pés de arroz, em uma fazenda no município de Pacaraima, no interior da Raposa, o índio uapixana Lourenço Gomes da Silva dizia ao repórter, entre um golpe de enxadão e outro: "Sou o aguador. Tenho que cuidar para nunca deixar a lavoura secar. Especialmente agora, que o arroz está embuchando: não pode faltar água de jeito nenhum. Trabalho há oito anos aqui. Ganho dois salários mínimos e tenho três refeições por dia. Onde eu vou achar quem me pague isso? Não tenho pra onde ir." Silva faz parte do grupo de índios que, no interior da reserva, se opõem à demarcação contínua. Casado com uma macuxi e pai de cinco crianças, ele acha que os arrozeiros deveriam ficar onde estão. "Gosto muito do meu trabalho. Às vezes a gente encontra cobra sucuri e até jacaré aqui no meio. Mas eu gosto. Acordo todo dia às 5 da manhã e venho direto para cá, tomar o meu café e dar duro." Ao redor dele avistavam-se bandos de marrecos, tuiuiús, carcarás, gaviões. Ao fundo, as montanhas que separam o Brasil da Venezuela e da Guiana. REDE Os empregos diretos envolvem desde quem pega na enxada, como Silva, até o pessoal que trabalha com máquinas de plantar e de colher (tudo é altamente mecanizado nos arrozais de Roraima), os que consertam as máquinas, os que preparam refeições para os trabalhadores, que operam nas indústrias de beneficiamento e embalagem do arroz, instaladas nos arredores da zona urbana de Boa Vista. O fazendeiro Paulo César Quartiero, é prefeito de Pacaraima e líder mais destacado do movimento contra a retirada dos arrozeiros, fala que cada emprego direto gera pelo menos 5 indiretos. Uma das categorias que certamente será afetada indiretamente é a dos motoristas, os pilotos das imponentes carretas que na época da colheita - prevista para começar no dia 20 - não param de circular entre Boa Vista e Manaus. Levam arroz e trazem mercadorias. Representantes prevêem que, com a queda do movimento, haverá aumento no preço do frete e de produtos trazidos de fora. Quanto à arrecadação dos impostos diretos, não haverá grandes estragos. Os arrozeiros têm isenção de impostos por exportarem quase toda a produção para áreas incluídas na área da Zona Franca de Manaus. O prejuízo virá se eles pararem de comprar os gigantescos volumes de óleo diesel que utilizam para puxar a água dos rios, as máquinas agrícolas, fertilizantes, implementos. Essas compras fazem girar com mais força as engrenagens do comércio de Boa Vista. Tudo indica que poderá haver um aumento no preço do arroz consumido não em Roraima, mas em toda a região Norte. De tudo que se produz nos arrozais roraimense, 70% é vendido em Manaus, 10% no Pará e 20% no próprio Estado, segundo Itikawa, o presidente da associação. "Se pararmos com o fornecimento, será necessário aumentar o volume importado do Rio Grande do Sul, com o conseqüente aumento dos preços." SERVIÇOS Sobre as questões de longo prazo, é preciso notar algumas características de Roraima. Dos R$ 3,4 bilhões do PIB do Estado, só 7% são decorrentes de atividades agrícolas e 9% da indústria. O restante é ligado ao setor de serviços e 48% vêm de atividade pública - federal, estadual e municipal. Em termos de dependência da máquina estatal, Roraima só perde para o Distrito Federal, que tem 52% de atividades ligadas ao setor público. Deve-se notar que é um Estado com pouco controle sobre suas terras. Dos 224.298,98 quilômetros quadrados que compõem o território roraimense, o poder local só controla 10%. O restante pertence a áreas indígenas, reservas ambientais, terras do Exército, da União. Só para os índios foi reservada uma fatia de 46% do território. Não é de se estranhar que um dos ministros do Supremo tenha se referido a Roraima como ou uma espécie de autarquia federal. Também não é de estranhar a reclamação do secretário de Planejamento quanto ao ataque aos arrozeiros: afinal, se trata de um dos poucos setores privados que se deram bem no Estado e estavam servindo para atrair outros investimentos. "É preferível ter atividades que melhorem a arrecadação e possibilidades de investimento do que ficar eternamente dependendo da máquina federal", argumenta Santos. Na semana passada, para agradar ao governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), o presidente Luiz Inácio Lula a Silva anunciou a transferência de novos lotes de terras ao Estado. Vale lembrar que promessas como essa são feitas desde os anos 90.

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