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''Risco de milícias é captura do Estado''

Ivan Darío Ramírez: sociólogo - para combater grupos como os que atuam no Rio, é necessário compreender sua natureza estrutural e histórica, diz colombiano

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Por Wilson Tosta
Atualização:

Quando ouve falar das milícias que dominam comunidades do Rio - a ponto de lançar candidatos às eleições e "fechá-las" a outros concorrentes -, o sociólogo colombiano Ivan Darío Ramírez, da ONG Corporação Paz e Democracia, de Medellín, lembra dos paramilitares de seu país. E adverte para o perigos de se repetir, no Brasil, a situação da Colômbia, com a "captura do Estado" por bandos criminosos. Para Ramírez, a violência organizada, com domínio de territórios por bandos armados, é fenômeno da globalização, que se manifesta nos territórios brasileiro, centro-americano e colombiano. Ele considera que seu país é um caso peculiar, por conta da guerra civil que vive há meio século, cuja violência se mescla à do banditismo comum e do tráfico de drogas. Mas reconhece a origem política dos "paras" que já dominaram parte da nação. A situação do Rio, com grupos armados que "fecham" comunidades, é semelhante à de cidades colombianas no auge da violência dos paramilitares? Na realidade, o tema da violência armada organizada é um assunto de abrangência mundial. E tem a característica de ser muito urbana. Isso explica situações que vão além dos conflitos armados internos: Rio de Janeiro e São Paulo, no Brasil, assim como Cali, Cartagena, Cúcuta, Bogotá e Medellín, como epicentro desse tipo de violência. Outra característica é que tem vários denominadores comuns: estruturas de narcotráfico; tráfico e uso de armas; controle de territórios questionando o monopólio do Estado sobre a segurança, as armas e os impostos; países que viveram ditaduras ou déficits de democracia. Assim, temos características similares, mas também particularidades. No Rio, as milícias se dizem reação ao tráfico. Na Colômbia ocorreu o mesmo? Na Colômbia, têm sido projetos mais ligados às guerrilhas e em muitos casos à luta urbana. Nasceram como parte do projeto da guerrilha de estender-se aos centros urbanos, de massificar a guerra. E parte da estratégia, especialmente no fim da década de 80, era controlar o território, para dar segurança e expulsar pequenas quadrilhas. No meio dos anos 90, em Medellín, muitos desses grupos se desmobilizaram ou se recolheram, e de novo, após a morte de Pablo Escobar, emergiram quadrilhas muito mais ligadas ao narcotráfico para controle territorial. Essas quadrilhas foram cooptadas às estruturas paramilitares, dessa maneira se evitaram enfrentamentos entre eles. O argumento era basicamente contra-insurgente e de controle social. E passaram a cobrar "impostos" do comércio, dos transportes, das comunidades . Segundo o que se diz daí, a diferença pode estar em que, aqui, os grupos paramilitares têm estado muito associados ao narcotráfico. Muitos líderes desses grupos têm sido extraditados para os EUA por esse crime. Como é a ação política dos paramilitares colombianos? Hoje, na Colômbia, há mais de 60 congressistas , a maioria vinculada ao partido do governo, processados por causa do fenômeno da parapolítica, quer dizer, por causa de acordos entre políticos e grupos paramilitares para ter acesso ao controle do Estado, tanto local como nacional. Pensando na experiência colombiana, o que os brasileiros poderiam fazer contra essas quadrilhas? Para o caso da Colômbia em particular, a política de tratamento do tema do narcotráfico foi um fracasso. Apesar do Plano Colômbia, das interdições, das fumigações e das negociações, a área cultivada cresceu, segundo um informe das Nações Unidas. Assim, no tema das drogas, o problema não pode centrar-se na produção. É também do consumo e um assunto de saúde pública. Então, um primeiro tema é discutir sem pudores o tema da legalização e o respeito ao uso tradicional, no caso da folha de coca. Em segundo lugar, se requer uma forte presença social, econômica, cultural, política e institucional por parte do Estado. O que é mais perigoso nessa situação? Creio que o problema central é o que essa problemática vai ganhando em termos do que chamamos de captura do Estado. Além de ser um fator de violência e de impacto social sobre uma geração de meninos, meninas e adolescentes. E também que se siga crendo que a resposta é a repressão. Sem dúvida, é necessário compreender a natureza estrutural e histórica do problema. Podemos dizer que a violência na Colômbia é a mesma que no Brasil? Não se pode apropriadamente assegurar isso. O que se tem querido assinalar é que há fatores comuns que identificam a violência, especialmente a urbana, nos quais existem grupos armados, especialmente desde que no mundo se começou a falar com força do processo de globalização. Isso é uma coincidência no tempo e tem algum sentido. Mas, como disse antes, a situação que nos ocupa, quer dizer, a presença de grandes quadrilhas armadas, controlando territórios, mercados de droga, etc., e as respostas paraestatais têm sido lugares comuns na Colômbia, na América Central e no Brasil. Mas igualmente acredito que o Brasil tem características específicas. É um Estado federal, tem uma polícia militar, tem tido uma resposta com prevalência da repressão, fez pouco investimento social em muitas favelas, tem história de ditadura e é uma nação rica e poderosa, líder na região. Podem ser usadas as mesmas soluções? A experiência centro-americana é rica ao demonstrar que o processo de acordo de paz, entre o governo e grupos insurgentes, não é o fim da violência. Há sucessos muito importantes em Medellín, como ter hoje uma taxa de 27 homicídios por 100 mil habitantes. Agora, ainda que tenham características similares, cada cidade e cada país deve construir suas próprias saídas, recolhendo tanto as experiências positivas como negativas. Não bastam políticas de choque, porque essas podem conter por um tempo, mas não resolvem. Quem é: Ivan Darío Ramírez É sociólogo, vive em Medellín, na Colômbia É da ONG Corporação Paz e Democracia Coordena o projeto Proyecto Niñez, Violencia Armada (COAV) y Conflicto Armado

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