''Revisão do Bolsa-Família é um upgrade''

Alterações anunciadas pelo governo estão ?na direção certa?, avalia Néri, que é defensor da ?bancarização? do projeto

Por Gabriel Manzano Filho
Atualização:

A revisão do programa Bolsa-Família a cada dois anos e o uso do cartão para movimentação bancária "são um upgrade e marcam uma dinamização que o Bolsa-Família e os programas sociais não haviam mostrado nos últimos anos", avalia o economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, Marcelo Néri. As alterações anunciadas pelo governo na semana passada "estão na direção certa", diz Néri - um dos mais respeitados estudiosos da questão da pobreza no País -, mas o programa precisa "criar condicionalidades mais ambiciosas". Definindo-se como "entusiasta" da "bancarização" do cartão do Bolsa-Família, experiência já existente na Argentina, resume: "O sentido disso é dar aos pobres o acesso aos mercados - não só de crédito, mas de trabalho e de educação." Depois de ter estudado um programa do Banco do Nordeste, o CrediAmigo, que beneficia 300 mil pessoas, o professor e economista da FGV-Rio está finalizando um livro, Microcrédito: o Mistério Nordestino e o Grameen Brasileiro, a ser lançado no mês que vem. Grameen é o nome do chamado "banco dos pobres" de Bangladesh, que foi criado pelo economista Mohammed Yunus e lhe valeu o Prêmio Nobel da Paz de 2006. Nesta entrevista ao Estado, Néri faz duas constatações. A primeira: os programas sociais no Brasil são e sempre foram eleitoreiros. A segunda: o protagonismo de sair da pobreza depende das pessoas. "Não vamos ser cínicos. Essas pessoas querem, sim, ganhar dinheiro, comprar eletrodomésticos, sentir que fazem parte do mercado." O governo acaba de anunciar o recadastramento do Bolsa-Família a cada dois anos e o uso do cartão como conta bancária, entre outros pontos. São medidas eficientes? Essas iniciativas, como as outras, envolvendo programas de trabalho no Nordeste e maior acesso à energia elétrica, representam um upgrade do sistema. Marcam uma dinamização que o Bolsa-Família e os programas sociais não haviam mostrado nos últimos anos. O recadastramento é necessário, é preciso limitar a duração do benefício. Quanto à segunda medida, a bancarização do cartão, sou um entusiasta dela. Temos acompanhado experiências parecidas na Argentina. O fato a considerar é que já existem custos fixos para enviar o benefício. Aproveitar a rede montada e ampliar seu uso com serviços financeiros é uma idéia interessante. A ampliação do uso do cartão não pode agravar a questão dos controles, que já são muito criticados? Existe, sim, um desafio operacional. E o programa só tem 1.300 funcionários - dá um para cada 40 mil pessoas, por aí. É claro que é preciso ter cautela. Mas iniciativas como a do microcrédito, como mostrou Yunus, são uma tendência moderna e o Bolsa-Família, por sua capilaridade, pode carregar essa gente para o mercado. No ano passado fiz avaliações de idéias semelhantes na Nicarágua, no Peru, no México. E o programa que mais me chamou a atenção foi o CrediAmigo, do Nordeste. Que programa é esse? É tocado pelo Banco do Nordeste e beneficia cerca de 300 mil pessoas. Tirou da linha de pobreza 60% de seus beneficiados e dá ao banco um lucro de R$ 50/ano por cliente. O Bolsa-Família representa, aí, a possibilidade de escala. Exemplos como esse frutificam pelo mundo, nos EUA, no Egito. O aval solidário do banco Grameen, que ajuda pobres em Bangladesh, está chegando a Nova York, onde também o Bolsa-Família é estudado para ajudar os que precisam. Os países pobres estão exportando tecnologia social para os ricos. Que outras coisas o Bolsa-Família pode fazer para melhorar? O jeito de melhorar é enfrentar os desafios. Minha crítica ao Bolsa-Família não é que não vigie as condicionalidades. É que as condicionalidades iniciais eram muito tênues. Vacinação de crianças ou freqüência escolar eram coisas praticamente resolvidas. Não vejo porque gastar dinheiro com isso. O que é preciso é impor condicionalidades mais ambiciosas. De que tipo? Essa que começa agora, de estender o benefício dos 15 aos 17 anos. Outra é a bolsa pré-escola, de 0 a 6 anos. O único economista que ganhou o Prêmio Nobel estando no Brasil, James Heckman, mostrou que um bom programa pré-escola reduz pela metade a probabilidade de a criança depender do Estado no futuro. O que o sr. diz da estagnação e até do aumento da evasão escolar dentro do Bolsa-Família? Me parece pouco significativo. Acho a luta por qualidade da educação mais importante que a questão da evasão. O grande problema é que os alunos não estão aprendendo nada. O que acha das críticas de que o programa continua assistencialista e eleitoreiro? É um programa eleitoreiro também. Temos estudos mostrando que em época de eleição a pobreza cai e isso ocorre via programas oficiais. O que esses estudos mostram é que todos os políticos, no Executivo, são oportunistas. Quem toma posse desmonta os programas bons que encontra. O presidente Lula fez isso com os do governo FHC. E criou o Fome Zero, que era uma loucura. Depois percebeu o problema e mudou, rápido, implantando o Bolsa-Família. Políticas de renda sempre foram feitas em sintonia com o ciclo eleitoral. Para onde aponta o Bolsa-Família? Ele achará porta de saída? Acho que a porta de saída aparecerá naturalmente. A redução da desigualdade está tirando muita gente da pobreza e é interessante ver um governo de esquerda que segue as regras do mercado e tenta arrastar os pobres para dentro dele. Não vamos ser cínicos. O pobre quer ajuda, quer saúde, mas quer ganhar dinheiro. Temos tido um cenário favorável. O PNAD mostrou que a pobreza caiu 15% de 2006 para 2007 e em três anos foram criados 7,4 milhões de empregos.

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