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Retórica durante discursos tira ‘máscara’ da Câmara

Estudiosos comentam declarações dos deputados durante votação do impeachment da presidente Dilma no domingo

Por Monica Manir
Atualização:
Em discurso, Jair Bolsonaro evocou torturadores da presidente Dilma durante a ditadura Foto: reprodução

“Dedico este título à mamãe que tantos sacrifícios fez pra que eu chegasse aqui ao apogeu com o auxílio de vocês.” Foi uma versão bem mal-ajambrada de Miss Suéter, de Aldir Blanc, que desfilou no domingo, 17, no plenário da Câmara durante a aprovação do procedimento de impeachment da presidente Dilma Rousseff.  Deputados saudaram genitores, um levou filho ao microfone, outro pediu paz em Jerusalém, mais um gritou palavrões de ordem, aquele fez apologia da tortura, aquela disse que o marido prefeito “mostra que o Brasil tem jeito”, mas no dia seguinte não teve jeito e o marido foi preso pela PF por suspeita de sabotar a saúde pública. Nome da operação: Máscara da Sanidade II.

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Se é que havia uma máscara minimamente apresentável do Congresso brasileiro, ela caiu voto a voto, deixando desalentado quem a acompanhou até o placar de 367 “sim” contra 137 “não”. Num País dividido, essa conta obviamente provocaria frustração a uma das partes. Mas a pobre imagem dos discursos foi o que incomodou geral. Eugenio Bucci, professor da ECA-USP, que se postou diante da TV desde o primeiro voto, foi quem se lembrou da toada de Aldir Blanc para ilustrar a situação. “Eu diria que, em termos de linguagem, a grande maioria posou de vendilhões da Câmara porque usaram comercialmente o espaço também para vender suas clientelas.” 

O historiador Leandro Karnal também tem lá a sua referência, no caso televisiva, para dar moldura ao momento. Para ele, os deputados pareciam convidados do antigo Xou da Xuxa, semiencabulados, mandando beijinho pra minha mãe, pro meu pai e especialmente pra você. “Era um exercício retórico feito por quem não domina a retórica, mas que é eficaz nas bases”, diz. “O Parlamento é a cara do Brasil, e a média dos brasileiros falaria isso; foi um exercício doloroso de brasilidade retórica.”

O cientista político do Insper, Carlos Melo, destaca o aspecto da comunicação contundente, enfatizando o estofo de quem se comunica. “No impeachment do Collor, goste-se ou não deles, havia no Congresso Ulysses Guimarães, Mario Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Genoino, José Dirceu.” Eram pessoas, continua ele, que tinham experiência de crise desde o suicídio de Getúlio. 

Do lado de cá do balcão, ou da TV, a escritora Marina Colasanti também padece de desilusão: “Gostaria de poder dizer o contrário mas, infelizmente, eles nos representam com sua falta de conhecimento político - a não ser a política mais rasteira -, com seu exibicionismo, invocando Deus como se o respeitassem, usando o espaço público para dar visibilidade a seus parentes e fazer média em casa, citando a esposa mas não citando a amante, fingindo uma dignidade que não têm”.

Já o psicanalista Sérgio Telles acha que esse tipo de discurso parlamentar reforça a ideia de que os eleitores não veem os políticos como representantes a quem delegam o poder e de quem posteriormente exigirão uma prestação de contas, e sim que sejam pais fortes e protetores. “Nesse sentido, os deputados não têm por que se envergonhar de seus discursos tacanhos.”

‘Apologia’. Mas, se estamos a falar de vergonha, Bucci lembra que muitos discursos de domingo poderiam motivar a quebra de decoro pela falta de compostura e pelo clima de escárnio num momento gravíssimo.

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Ele destaca o do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) resgatando a memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. “É o elogio a um torturador, e com o desrespeito direto à figura da presidente porque ele fala do Brilhante Ustra como ‘o pavor de Dilma’”, diz. “Se a apologia à tortura não é quebra de decoro, eu não sei o que é.” 

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