Restringir foro para crimes 'em razão do cargo' pode aumentar processos no STF, diz especialista

Para criminalista Gustavo Badaró, da USP, questionamentos farão com que advogados levem processos de volta ao STF para a Corte decidir em qual instância julgar determinadas ações

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Por Daniel Weterman
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SÃO PAULO - O julgamento do Supremo Tribunal Federal ( STF) que pode reduzir o foro privilegiado de parlamentares para crimes cometidos no exercício do mandato e em razão do cargo, como aponta maioria de 7 votos entre os ministros da Corte, tende a causar um "efeito perverso" e aumentar a quantidade de processos no Supremo, aponta o criminalista Gustavo Badaró, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP). O julgamento foi interrompido e deve retornar ao plenário do STF nesta quinta-feira, 3.

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Para o especialista, o questionamento sobre o que significa "em razão do cargo", como proposto pelo ministro Luís Roberto Barroso, vai fazer com que advogados levem processos de volta ao Supremo para que a corte decida em cada caso qual instância judicial julgará determinadas ações. "Fica totalmente aberto. Na prática, isso pode gerar um efeito perverso porque vai acabar chegando tudo no Supremo de novo para o STF dizer se determinado crime é ou não em razão da função", comenta o jurista.

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O criminalista aponta o que considera uma contradição de Barroso ao levantar a questão de ordem que está sendo discutida pelos ministros do Supremo. Em um item da ementa do voto do relator, no ano passado, ele propôs delimitar o foro para "crimes praticados no cargo e em razão do cargo". Em outro trecho, Barroso defende a limitação do foro para "crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas".

No dia 31 de maio de 2017, o Supremo Tribunal Federal começou a decidir o alcance do foro privilegiado Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Para o advogado, as expressões "em razão do cargo" e "relacionados às funções desempenhadas" não significam a mesma coisa. "Imagina um deputado e candidato à reeleição que aceite uma doação de campanha, eu poderia dizer que isso foi feito relacionado com as funções dele, mas eu não poderia dizer que isso foi em razão do cargo porque era para uma pretensão futura de cargo", exemplifica. Com essa situação, o juiz deveria se manifestar caso a caso sobre o questionamento e o caso poderia chegar ao Supremo.

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Já a tese apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, de restringir o foro por prerrogativa de função para qualquer crime cometido após a diplomação de deputados e senadores, acabaria com as mudanças de instância do processo quando os políticos encerram seus mandatos. O entendimento de Moraes teve três votos.

Segundo Badaró, essa tese intermediária pode ser seguida por outros ministros que já votaram no julgamento, pois os magistrados podem ajustar seus votos antes da proclamação do resultado. "A consequência seria acabar com a quantidade de alterações do juiz de competência que acontecem no curso do processo", diz o especialista.

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Durante a sessão desta quarta-feira, alguns ministros citaram a preocupação com a falta de objetividade na proposta de Barroso ao falar sobre crimes cometidos "em razão do cargo". Citando o professor Badaró, Dias Toffoli afirmou que é necessário preservar o princípio do "juiz natural". "Imagina, no futebol, um juiz marcar um pênalti e ser substituído no meio da partida. Isso seria normal?", questiona o criminalista, ao fazer uma comparação com os processos judiciais.

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