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Repressão mudou a disciplina militar

Oban, que privilegiava a ?iniciativa operacional?, só acabou de fato em 91; indisciplina permitiu desmascarar Lamarca

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Um ato de indisciplina criou a primeira operação de envergadura do Exército contra a guerrilha em São Paulo. A ação marcou o início da associação entre policiais e militares, que se tornaria característica da Operação Bandeirantes (Oban), modelo de um dos principais instrumentos do regime dos generais após o AI-5: o Destacamento de Operações de Informações (DOI). Marcou também um estilo de atuação, em que os órgãos operacionais ganharam autonomia dentro da cadeia tradicional de comando militar. Fazia 41 dias que o AI-5 estava em vigor quando, em 23 de janeiro de 1969, quatro guerrilheiros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) foram presos num sítio em Itapecerica da Serra, Grande São Paulo, pintando um caminhão com as cores do Exército. O grupo foi levado ao quartel da Polícia do Exército (PE), no Ibirapuera. Entre eles estava Pedro Lobo de Oliveira, sargento da Força Pública (antecessora da PM), cassado pelo AI-1, o primeiro ato de exceção do regime, baixado em 1964. "Primeiro, subi no pau-de-arara. Depois, me deram salmoura pelo nariz." Queriam saber o que o grupo planejava. "O Caetano, um investigador, me interrogava." A presença do policial se explica pelo fato de a PE ter recebido o apoio de quatro homens do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), da Polícia Civil, formando o embrião da união de policiais e militares no DOI. No dia seguinte, o comandante da 2ª Companhia da PE, major Jayme Henrique Antunes Lameira, pediu aos superiores autorização para deslocar sua tropa a Itapecerica, o que foi negado. Lameira desobedeceu e obteve do major Inocêncio Fabrício de Mattos Beltrão o apoio dos blindados que o colega comandava no 2º Regimento de Reconhecimento Mecanizado (RecMec). Recebeu ainda a ajuda de dois helicópteros. A movimentação de tropas pegou Itapecerica de surpresa. À tarde, a Guarda Civil achou armamento militar num Fusca. Também encontrou no carro um caderno com o endereço e um recibo em nome de Carlos Lamarca. Lameira associou o nome ao de um capitão do 4º Regimento de Infantaria (RI), em Osasco. Eram 2h30 de sábado, 25 de janeiro, quando o major avisou os superiores da 2ª Divisão de Exército (DE). Ouviu um coronel dizer que tudo seria resolvido na segunda-feira. Horas depois, Lamarca e mais três militares deixaram o quartel do 4º RI com 63 fuzis, 3 submetralhadoras e 1 pistola. Só não levaram mais armas porque deviam transportá-las no caminhão apreendido com Lobo. A desobediência de Lameira não fez dele um indisciplinado aos olhos dos colegas, mas um oficial que usou a iniciativa operacional, reclamada nas ações antiguerrilha. "É a lei da eficiência. Em face dos revolucionários, é preciso um Exército revolucionário", disse em suas memórias o general francês Marcel Bigeard, que combateu os guerrilheiros que lutavam pela independência da Argélia. Em 1957, ao custo de 3 mil desaparecidos, os franceses acabaram com os atentados a bomba em Argel, ação que serviu de exemplo a militares sul-americanos. Primeiro órgão híbrido de combate à guerrilha no País, a Oban foi criada em 1º de julho de 1969, seis meses após a desobediência de Lameira. Ela respondia à necessidade de comando único na luta contra a subversão. Em 1970, a Oban se transformaria no DOI. E o modelo se espalharia pelo País. A autonomia das polícias estaduais para reprimir delitos contra a segurança nacional foi sacrificada em nome dos DOI, que eram subordinados a um órgão de coordenação: o Centro de Operações de Defesa Interna (Codi). O complexo ficaria famoso sob a sigla DOI-Codi. À estratégia militar somaram-se as táticas policiais - foi nas polícias que os DOIs buscaram a maioria de seus agentes. EMBAIXADOR De todos os destacamentos do País, o de São Paulo foi o maior, com cerca de 300 homens. Seu primeiro comandante foi o major Waldyr Coelho, cuja autonomia provocou, a exemplo de Lameira, choques com seus superiores. Foi o que ocorreu em setembro de 1969, quando o major tentou impedir que os presos que seriam trocados pela libertação do embaixador americano Charles Elbrick, seqüestrado pela guerrilha, fossem embarcados para o Rio. Essa história era um segredo mantido pelos militares. Até agora só era conhecida outra tentativa malsucedida, de um comando de pára-quedistas, de matar os presos no Aeroporto do Galeão, no Rio, antes do embarque para o exílio, no México. Coelho sabia que 8 dos 15 detidos estavam em São Paulo: José Dirceu, Luís Travassos, Wladimir Palmeira, Onofre Pinto, Argonauta Pacheco, José Ibrahim, Rolando Frati, Maria Augusta Carneiro Ribeiro e José Leonardo Rocha. Quando soube da exigência feita pela guerrilha para soltar Elbrick, o major teve uma conversa tensa com o general Aloysio Guedes Pereira, comandante da 2ª DE. "General, eu não vou aceitar. Eu não gastei minhas viaturas e o trabalho do meu pessoal para ver esses homens saírem daqui dando risada da gente." "Mas esse é um problema internacional, não podemos fazer nada", respondeu o general. Coelho achava que podia. Havia procurado o major Beltrão, do 2º RecMec, que ficava no complexo que abrigava a Oban. Conseguiu que o amigo mobilizasse os blindados, pondo-os no pátio com os motores ligados, prontos para saírem em coluna. A idéia era ir ao antigo Presídio Tiradentes, no centro, e cercá-lo. Caso tentassem retirar os presos de lá, Coelho os executaria. Estava tudo pronto quando o general Pereira chegou. "Eu era novo e ele (Coelho) me disse: ?Corre, que nós vamos cercar os caras lá?. Só a muito custo é que conseguiram tirar os presos dali. Foi uma noite terrível. Mandaram um pessoal falar com o major; tudo passou, e os presos embarcaram", revelou ao Estado Antônio, oficial do Exército. "Ele (Coelho) tentou, sim, impedir o embarque", confirmou o agente J.A., que trabalhou em 1969 na Oban e depois foi para o Dops. Coelho deixou o DOI em 1970. A estrutura que comandou só entraria em declínio a partir de 1977. Até aquele ano, o destacamento fizera 2.541 prisões e 54 pessoas morreram em suas ações, segundo um de seus oficiais, o capitão Freddie Perdigão. O DOI cairia em uma espécie de clandestinidade nos anos 80. Não mais prendia, mas vigiava os integrantes de movimentos sociais e partidos de esquerda. O consórcio entre policiais e militares só foi desfeito após uma reportagem do Jornal da Tarde, em 17 de abril de 1991. Ela denunciava o fato de 550 PMs permanecerem emprestados para duas dezenas de órgãos em vez de trabalharem na corporação. O governo reagiu e determinou a volta de todos à polícia. Entre eles havia os 82 praças e 2 oficiais que ainda estavam na 2ª Companhia de Informações - a sucessora do DOI. 1964 31/3 Golpe militar derruba o presidente João Goulart 4/4 O marechal Humberto Castelo Branco é escolhido Presidente 9/4 Ato Institucional dá ao presidente poderes para cassar mandatos e suspender direitos políticos 22/7 Mandato de Castelo Branco é prorrogado até 15 de março de 1967. Fica adiada para outubro de 1966 a eleição presidencial prometida pelo regime 1965 3/10 Realizadas eleições para governador em 11 Estados. A oposição vence em 2: Minas e Rio 27/10 Ato Institucional 2 (AI-2) extingue os partidos, amplia prazo para cassações de mandatos e define que cabe à Justiça Militar julgar civis acusados de crimes contra a segurança nacional 1966 5/2 AI-3 fixa eleição indireta para governadores 25/7 Atentado frustrado ao general Artur da Costa e Silva, ministro da Guerra e candidato à Presidência, no Aeroporto de Guararapes, Recife (PE). Morrem um vice-almirante e um secretário de Estado 3/10 Costa e Silva é eleito indiretamente pelo Congresso 22/10 Parlamentares se recusam a aprovar cassações e Castelo Branco decreta o recesso do Congresso por um mês 1967 24/1 Promulgada a nova Constituição 15/3 Costa e Silva é empossado 18/7 Castelo Branco morre em acidente aéreo 1968 28/3 O estudante Edson Luís de Lima Souto é morto no restaurante universitário Calabouço, no Rio, durante confronto com a PM 29/3 Em passeata no Rio, 50 mil protestam contra o assassinato 30/3 Passeatas irrompem em todo o País. Ministro da Justiça Gama e Silva proíbe protestos 26/6 Passeata dos 100 mil no Rio Atentado em quartel do 2º Exército em São Paulo mata o soldado Mário Kozel Filho 1/7 Militantes do Comando de Libertação Nacional (Colina) executam o major alemão Edward von Westernhagen, confundido com o capitão boliviano Gary Prado, colega do alemão no Curso de Estado-Maior, no Rio. Prado ganhara fama com a caçada e morte de Che Guevara, na Bolívia 17/7 Elenco da peça Roda Viva, de Chico Buarque, é espancado em São Paulo pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC) 30/8 Invasão do campus da Universidade de Brasília (UnB) 2/9 Em discurso na Câmara, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB da Guanabara, critica Exército e, irônico, pede às jovens que não namorem oficiais 2/10 Invasão da Universidade de São Paulo pelo CCC 12/10 Assassinato do capitão americano Charles Chandler Prisão de 920 estudantes durante o congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP) 12/12 Câmara rejeita pedido para processar Moreira Alves 13/12 AI-5 é aprovado 22/12 Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros artistas são presos no Rio 1969 25/1 Capitão Carlos Lamarca deserta e furta armas do quartel do Exército em Quitaúna, em Osasco (SP) 16/5 AI-10 aposenta compulsoriamente centenas de professores universitários 1/7 Criação da Operação Bandeirantes (Oban) 29/8 Costa e Silva sofre derrame 31/8 Junta Militar assume poder 4/9 No Rio, o embaixador americano Charles Elbrick é seqüestrado pela Aliança Libertadora Nacional (ALN) e pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Elbrick é solto quatro dias depois, em troca da deportação de 15 presos políticos 25/10 Congresso elege o general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência 1970 Janeiro A Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), de Lamarca, inicia uma base de guerrilha no Vale do Ribeira 11/3 VPR e Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) seqüestram em São Paulo o cônsul japonês Nobuo Okuchi. Ele foi trocado por 5 presos políticos 11/6 VPR e ALN seqüestram, no Rio, o embaixador alemão, Ehrenfried von Holleben. Ele foi solto após a deportação de 40 presos 7/12 Seqüestro do embaixador da Suíça, Giovanni Bucher, em ação da VPR comandada por Lamarca, no Rio. O regime liberta 70 presos políticos 1971 17/9 Exército mata Lamarca no agreste baiano 1972 12/4 Exército começa o combate à guerrilha no Araguaia, comandada pelo PC do B 1973 14/9 Arena, partido governista, oficializa o general Ernesto Geisel como candidato a suceder Médici 7/10 Exército reinicia ofensiva no Araguaia, que levará, em dezembro, à vitória sobre a guerrilha 1974 15/1 Colégio Eleitoral homologa a vitória de Geisel na eleição 15/11 Num sinal claro do desgate do regime, o oposicionista MDB consegue 16 vagas nas eleições para o Senado e 160 cadeiras na Câmara; a Arena fica com, respectivamente, 6 e 204 cadeiras 1975 3/1 Suspensa censura prévia ao jornal O Estado de S. Paulo 26/10 Anúncio da morte do jornalista Vladimir Herzog no Codi provoca reação da imprensa, setores da sociedade e líderes religiosos em São Paulo 1976 17/1 O operário Manuel Fiel Filho morre no DOI . Geisel afasta o general Ednardo D?Ávila Melo 14/6 Lei Falcão limita a propaganda eleitoral no rádio e TV 19/8 Atentado à ABI, no Rio 1977 1/4 Pacote de Abril prevê a eleição indireta dos governadores e de um terço dos senadores 22/9 PUC em São Paulo é invadida por 900 policiais 12/10 Geisel demite o ministro do Exército, Silvio Frota, da linha-dura do regime 31/12 Geisel lança o general João Figueiredo para sucedê-lo 1978 Maio Luiz Inácio Lula da Silva comanda greve no ABC 15/10 Colégio Eleitoral aprova a indicação de Figueiredo 1979 1/1 Oficialmente extinto o AI-5

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