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Renda maior não alavanca o NE

Estudo inédito da FGV mostra que qualidade de vida não foi beneficiada pelo ganho maior das famílias da região

Por Ricardo Brandt
Atualização:

A renda da população do Nordeste, região mais carente do Brasil, cresceu nos últimos anos impulsionada pelo fortalecimento da economia nacional e pelos programas de transferência de recursos como o Bolsa-Família. O dado negativo é que isso não refletiu em melhora na qualidade de vida das pessoas que apenas sobrevivem nesses Estados e nem contribuiu para um desenvolvimento local sustentável. a href=''http://www.estadao.com.br/interatividade/Multimidia/ShowVideos.action?destaque.idGuidSelect=C356FC7989D7417C8AF2A1BFF64A3755'' target=_blank>TV ESTADÃO: Assista à entrevista com o coordenador do estudo da FGV Serviços essenciais a que todos deveriam ter acesso como saúde de qualidade, educação universal, moradia adequada e segurança apresentaram crescimento bem abaixo da média do aumento de renda. Os dados são de uma pesquisa inédita feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) Projetos, que apresenta amplo diagnóstico das mazelas e conquistas socioeconômicas dos nove Estados nordestinos, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe, entre os anos de 2001 e 2007. O levantamento traça um retrato detalhado do atraso da região Nordeste com base em 36 microindicadores oficiais agrupados em oito temas: saneamento básico, qualidade de moradia, educação, segurança pública, renda, emprego, desigualdade e pobreza. O resultado serve de alerta e também como guia para autoridades públicas locais. O estudo concluído em junho, ao qual o Estado teve acesso com exclusividade, atribui a falta de reflexos do aumento da renda nos indicadores sociais diretamente à escolha de políticas públicas equivocadas por parte dos governos. "O modelo de pensar o desenvolvimento do Nordeste não trouxe impacto sobre a qualidade de vida e os indicadores de desenvolvimento socioeconômicos da população", afirma o coordenador do estudo, o economista da FGV Fernando Blumenschein. Das 9 unidades da Federação que formam o Nordeste, 7 estavam em 2007 na faixa de classificação de Estado com baixo grau de desenvolvimento - somente Sergipe e Rio Grande do Norte estavam no grupo de médio desenvolvimento. Para aferir esses dados e mostrar as falhas nas políticas públicas, a FGV adota desde o ano passado um indicador criado por seus pesquisadores denominado Indicador de Desenvolvimento Socioeconômico dos Estados (IDSE). O indicador considera muito mais variáveis econômicas e sociais que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), usado mundialmente. Dentro de uma classificação que vai de 0 a 100, o IDSE divide Estados entre mais desenvolvidos (de 81 a 100), de desenvolvimento médio (de 41 a 80) e de baixo desenvolvimento (de 0 a 40). Para se ter noção do atraso em que vive o Nordeste, todos seus integrantes apresentavam em 2001 baixíssimo grau de desenvolvimento (índice abaixo de 25). Em 2007 esse quadro teve relativa melhora, apenas Piauí, Maranhão e Alagoas permaneciam nesse grupo. No caso específico do Piauí e Maranhão, eles eram em 2001 e permaneceram em 2007 como os Estados mais subdesenvolvidos do Brasil, com classificação 11,4 e 15,8 (leia abaixo). O maranhense José Domingos Bezerra da Silva, de 32 anos, faz parte dessa estatística aterradora. Ele nunca perdeu um dia de serviço. Sabe o peso de ter que criar cinco filhos e a mulher no segundo Estado com piores índices sociais do País. Comida na mesa, faz tempo que não falta, afinal João Domingos não tem medo de trabalho, e as crianças estão todas matriculadas na rede pública de ensino. Há 16 anos, em busca de uma vida melhor, ele mudou-se para a capital São Luís, onde conseguiu emprego, comprou televisão, geladeira e fogão de quatro bocas para sua casa. Nunca foi à escola, como boa parte de seus conterrâneos, mas não precisa de estudos para saber que emprego e renda não representam melhoria de qualidade de vida. Ele mora num barraco de palafita sobre a lama e com banheiro que despeja seus resíduos diretamente no mar. "Você sabe o que é morar numa casa com ratos por todos os lados?", pergunta João Domingos sem titubear ao responder qual sua principal carência: "Uma casa para morar." A pesquisa que recebeu o título Subsídios ao Planejamento do Nordeste Brasileiro, confirma com dados precisos e oficiais o que a escola da vida ensinou a João Domingos. Moradia de qualidade é o principal gargalo da região onde vivem 40 milhões de pessoas. Ela aparece como política de pior performance no período estudado em 6 dos 9 Estados (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). As políticas públicas de educação foram a segunda que apresentaram pior performance no Nordeste, aparecendo como pior item de desenvolvimento em 5 dos 9 Estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão e Sergipe). No Maranhão, a média de escolaridade da população em 2007 era de 4,44 anos de estudo. O quadro é assustador, 47% das pessoas que vivem no Estado, quase a metade, estão abaixo da linha de pobreza.

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