Relatório aponta erros no combate à dengue no Rio

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Por Agencia Estado
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Três meses antes da explosão de casos de dengue ocorrida em janeiro, técnicos do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCM-RJ) detectaram erros que comprometiam o Programa de Erradicação do Aedes aegypti, mosquito transmissor da doença, e previram para 2002 uma epidemia "praticamente inevitável". Entre os problemas apontados, estavam principalmente problemas com larvicida B.T.I, produto que deveria matar as larvas do inseto: falta de registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uso irregular em água potável e ineficácia, entre outros. O "Relatório de Inspeção Ordinária Comlurb/Associações de Moradores", que instrui um processo ainda não julgado pelo TCM, condena o larvicida Vectobac G (uma marca do B.T.I.), de origem biológica, à base do microrganismo Bacillus thuringiensis israelensis, nos EUA. Importado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) do Ministério da Saúde e distribuído a Estados e Municípios, o produto entrou em uso em novembro de 2000, em substituição a um composto químico, o Abate 1G. A Anvisa só registrou o novo larvicida, porém, sete meses depois, em resolução de 12 de junho de 2001. "Ademais, o B.T.I. só tem registro no EPA (Enviromental Protection Agency) para tratamento de águas provenientes de escoamento de irrigações, pastagens, plantações de arroz etc (...), não sendo apropriado para tratamento de reservatórios de água potável", diz o trabalho. "Perguntamo-nos: como tal produto pode ter sido escolhido para tratamento de caixas d´água no Brasil? Por que a tradução da embalagem do AQUABAC-200G (outro nome comercial do B.T.I.) menciona a adequação do produto para tratamento em caixas d´água e cisternas, enquanto a recomendação original do fabricante veda a aplicação do produto em reservatórios de água potável?" No Rio, de acordo com o relatório do TCM, em algumas favelas agentes comunitários aplicaram o B.T.I. em caixas d´água sem tampa. O relatório cita, sem especificar, casos de cães e gatos que morreram após, supostamente, ingerir o larvicida, e de agentes comunitários que apresentaram irritações nos olhos e na pele após utilizar o produto. Em ofício de 13 de fevereiro de 2001, a gerente-geral de Saneantes da Anvisa, Tania Pich, ratifica advertências anteriores quanto à necessidade de seguir cuidados recomendados pelo fabricante no manuseio do larvicida e confirma que, àquela altura, o pedido de registro do Vectobac G estava "em análise técnica" na agência. O trabalho, feito pelo inspetor setorial Carlos Cesínio Paiva de Mello e pelos técnicos de controle externo Marcelo da Silva Ribeiro e José Henrique Esteves, de 17 a 28 de setembro e 2001, também apontou que um dos lotes de Vectobac G, o 64-170-N8, tinha potência igual a 35 UTI/mg. Para matar a larva do mosquito, esse índice deveria ser 200 UTI/mg. O lote foi examinado pela Fiocruz, porque havia discrepância entre o prazo de validade oficial (24 meses) e o anunciado no rótulo (de abril de 2000 a abril de 2001). "Nas supervisões realizadas pelos chefes de área e em relatos de outros funcionários, em locais previamente tratados com B.T.I. houve presença de focos de mosquitos, inclusive Aedes aegypti", dizem os técnicos no trabalho. "Esse fato ocorreu principalmente em depósitos onde a água é renovável, visto que a lâmina superficial que contém o agente ativo é eliminada por transbordamento ou escoamento." Mais adiante, eles observam: "Segundo comunicado da Coordenação de Projetos da Diretoria Técnica Industrial (DIN) à Direção da Comlurb, o B.T.I. não está gerando resultados compatíveis com a duração do ciclo de 2 (dois) meses de aplicação do produto. Ressaltamos que o intervalo recomendado pelo fabricante para reaplicação do produto é de 7 a 14 dias, totalmente incompatível com o ciclo operacional.". Na conclusão, os técnicos sugerem que o relatório seja enviado à Secretaria Municipal de Saúde, para que se pronuncie sobre as "providências efetivas que estão sendo tomadas para minimizar os efeitos de uma epidemia que se configura praticamente inevitável no próximo ano e para evitar que o mesmo se repita nos anos vindouros".

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