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Relator diz que concessão de asilo a Battisti é ilegal

Para advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso, o italiano "é o bode expiatório de uma trama simples"

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Por Redação
Atualização:

Começou na manhã desta quarta-feira, no Supremo Tribunal Federal, sessão que vai julgar o processo de extradição do ex-ativista italiano, Cesare Battisti. O ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, considerou ilegal o ato do ministro da Justiça, Tarso Genro, de conceder refúgio a Battisti, e votou pela anulação do documento. O voto de Peluso abrange apenas uma questão preliminar do processo de extradição de Battisti. Caso os outros ministros do Supremo acompanhem o voto de Peluso, ficará, então, eliminado o principal obstáculo para que o processo de extradição seja julgado pelo STF. Pela legislação, quando o governo concede refúgio, o processo de extradição tem que ser arquivado.

 

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“A decisão do Conare, a meu ver, estava absolutamente correta”, disse Peluso, ao se referir ao entendimento do Comitê Nacional para os Refugiados, que negou refúgio ao italiano.

 

"Só ato administrativo legal de concessão de refúgio pode impedir deferimento de extradição", disse o ministro, adiantando que argumentos utilizados para a concessão ou não de extradição não podem ser levados em conta pelo Executivo para conceder refúgio.

 

Peluso defende que o Supremo investigue e decida se o refúgio foi concedido sob motivação aberta ou disfarçada. Segundo ele, não se trata de a Corte se pronunciar sobre o acerto ou desacerto político da decisão administrativa, mas apenas a necessidade de submeter o ato "ao relevante controle constitucional de legalidade".

 

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Antes disso, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, deu parecer no sentido de que seja mantido o refúgio concedido pelo governo brasileiro. Para o advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso, o italiano "é o bode expiatório de uma trama simples", ao criticar a condenação dele na Itália e as pressões do governo italiano para obter a extradição do ex-ativista de extrema esquerda.

 

Para Peluso, os argumentos que servem para autorizar ou negar um pedido de extradição são diversos daqueles próprios para a concessão ou negativa do refúgio. Apenas o STF pode decidir com fundamentos próprios do processo de extradição, que, se utilizados pelo ministro da Justiça, fica configurada a usurpação da competência da Suprema Corte.

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Quanto ao mandado de segurança (MS 27875) apresentado pelo governo da Itália contestando a concessão de asilo político, o procurador-geral da República, Rodrigo Gurgel, sustenta falta de legitimidade do governo italiano para ajuizar o processo. Isso porque, em sua opinião, não é possível admitir a legitimidade de um estado estrangeiro para deduzir pretensão em mandado de segurança e ainda combater um ato do governo brasileiro. Para ele, isso seria desnaturar a função do processo e todo o sistema de garantias fundamentais da República brasileira.

 

Gurgel afirmou ainda que não houve ilegalidade ou abuso de poder no ato do ministro da Justiça porque sua decisão pautou-se na Constituição e nas leis e tratados internacionais de que o Brasil é signatário. Para ele, não é possível ao STF rever o juízo de mérito firmado pelo ministro da Justiça e, em sua opinião, o governo da Itália tenta anular uma decisão administrativa e política do Estado brasileiro "invertendo a um só tempo o princípio da soberania nacional e o sistema de proteção dos direitos humanos consagrados no país".

 

Ele finalizou dizendo que o pedido do governo italiano atenta contra o sistema de proteção dos direitos humanos que tem no asilo e no refúgio dois elementos importantes para garantir tutela a pessoas estrangeiras que se encontram em situação excepcional de risco ou de perseguição, inclusive por atividades políticas.

 

"Não se deve nunca deixar de aplicar em casos como esse o princípio da interpretação mais benéfica aos direitos humanos, o que a toda evidência beneficia o refugiado e não a Itália", destacou.

 

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Segundo Barroso, para extraditar Battisti o STF terá de mudar três linhas jurisprudenciais consolidadas. Primeiro, declarar inconstitucional o artigo 33 da Lei do Refúgio, que extingue o processo de extradição diante da concessão de refúgio político. Battisti obteve o status de refugiado político por meio de decisão do ministro da Justiça, Tarso Genro, tomada em janeiro deste ano, após o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) negar o refúgio.

 

Outro entendimento consolidado que o STF teria que modificar, de acordo com Barroso, seria deixar de considerar que o tema Relações Internacionais é de competência privativa e exclusiva do Executivo.

 

Por fim, disse Barroso, o STF também teria de sustentar que refúgio não é ato político, quando há diversas manifestações da Corte em sentido diverso.

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Em nome do governo da Itália, o advogado Nabor Bulhões, que abriu as sustentações orais no Plenário do Supremo Tribunal Federal, apresentou sua tese de que o refúgio concedido pelo ministro da Justiça do Brasil ao italiano Cesare Battisti não deve impedir o julgamento da extradição por parte do STF. Ele lembrou que, ao tomar conhecimento do pedido de extinção da extradição e consequente revogação da prisão após a concessão de refúgio, a Itália se opôs a essa pretensão.

 

Por fim, pediu para que o Supremo prossiga na apreciação da extradição e que conceda o pedido da Itália para que Battisti cumpra sua pena na Itália “nos exatos termos do tratado bilateral, nos exatos termos da lei subsidiária brasileira, a lei do estrangeiro, e da Constituição Federal”.

 

Houve confusão no plenário no início do julgamento. Manifestantes estenderam uma faixa com a frase Liberdade para Cesare Battisti e gritavam palavras de ordem. Seguranças do Supremo retiraram os manifestantes a força. O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) foi um dos que estavam protestando. Eles são integrantes de movimentos e ONGs que trabalham em defesa dos direitos humanos.Sanados os ânimos, os ministros do Supremo prestam agora homenagens ao ministro Carlos Alberto Menezes Direito, que morreu na semana passada, vítima de câncer, e ao ex-ministro José Guilherme Vilela, assassinado na semana passada, em Brasília.

 

Precedente

 

O julgamento faz transparecer uma certa apreensão nos bastidores Supremo. Para julgar a extradição de Battisti, o tribunal terá de passar por cima de um precedente recente, que é favorável aos refugiados, como Battisti. Em março de 2007, o STF decidiu que não era possível julgar o pedido de extradição do padre colombiano Olivério Medina, ligado às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que tinha obtido refúgio do governo brasileiro. Na ocasião, por 9 votos a 1, o tribunal concluiu que a concessão do refúgio impedia o julgamento e que o processo deveria ser extinto.

 

Agora, dois anos e meio depois, o Supremo vai ter de decidir se esse precedente vale para Battisti, que foi condenado na Itália à prisão perpétua em processo no qual foi acusado de envolvimento com assassinatos. Ele sustenta que sofre perseguição política em seu país.

 

Se o STF disser que a conclusão tomada no caso Olivério Medina não vale para Battisti, certamente será acusado de julgar de forma parcial seus processos, de acordo com o perfil do envolvido na extradição, ou, como dizem alguns juristas, "preocupando-se com a capa do processo". Um dos objetivos da Corte é exatamente formar uma jurisprudência consolidada, fazendo com que suas decisões possam ser previsíveis.

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Por outro lado, se o tribunal seguir o precedente adotado no julgamento da extradição de Olivério Medina, poderá ser acusado de proteger um terrorista e de servir aos interesses do governo federal. Recentemente, o Supremo enfrentou críticas de que teria julgado de acordo com o que queria o governo. Isso ocorreu no final de agosto, quando o tribunal rejeitou denúncia do Ministério Público contra o deputado federal e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (PT-SP).

 

Apesar de existirem indícios de que Palocci sabia da quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa, o STF se recusou a abrir um processo contra o congressista, que é apontado como possível candidato do presidente Lula ao governo de São Paulo. O caseiro teve o seu sigilo violado depois que Palocci ia a uma mansão frequentada por lobistas em Brasília.

 

Com informações do STF, Felipe Recondo e Mariângela Gallucci. Ao contrário do que foi publicado anteriormente neste texto, o ministro Peluso posicionou-se contra a concessão do refúgio. Este texto foi corrigido às 13h45

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