Refugiados afegãos entram na rotina brasileira

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Por Agencia Estado
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Passada a excitação da chegada a Porto Alegre, os dez primeiros refugiados afegãos acolhidos pelo Brasil começam a se integrar aos problemas típicos do País. Na segunda-feira, os adultos foram à Delegacia Regional do Trabalho encaminhar os pedidos de carteiras de trabalho. Nesta terça, as duas famílias conheceram as casas onde vão morar a partir da semana que vem, uma na zona leste e outra na zona norte da capital gaúcha. "Eles estão ansiosos para se mudar porque há anos não moram em uma casa", disse a advogada Rosaura Scavone, coordenadora da Central de Orientação e Encaminhamento (Cenoe), organização não-governamental responsável pelo assentamento dos afegãos. Sem avalistas para os candidatos a locatários, a Cenoe teve que recorrer ao seguro-fiança para alugar os imóveis. A primeira boa notícia foi dada ao inquieto Vali Ahmed Fagiri, de 26 anos, o único que ficou andando pelos jardins do Hotel de Trânsito da Brigada Militar, na última sexta-feira, logo depois da chegada a Porto Alegre, tentando se comunicar com qualquer pessoa que encontrasse, enquanto os outros refugiados dormiam. Ele vai trabalhar como restaurador de tapetes orientais numa loja do ramo. Até o final desta semana, os adultos serão levados a conhecer pelo menos três empresas que dispõem de empregos para eles. São um posto de gasolina, uma oficina mecânica e uma serralheria. Havendo acordo, poderão começar a trabalhar na semana que vem. Nos primeiros dias no Brasil, os afegãos tiveram muitas atividades, apesar de a Cenoe ter cuidado para a agenda não avançar pela noite. Ainda em fase de adaptação ao fuso horário, o grupo tem dormido ao anoitecer e acorda antes do Sol nascer. As manhãs têm sido usadas para as aulas de português dadas por voluntários da comunidade Bahá´i, que entendem o farsi, única língua falada pelos afegãos que estão em Porto Alegre. E as tardes para encaminhar documentação, exames médicos, entrevistas com psicólogos e visitas aos locais de residência e trabalho. Os funcionários do hotel já perceberam que Vali, sua irmã Assieh, de 17 anos, e seu irmão Ali Ahmad, de 12 anos, terão maior facilidade para se fazer entender que seus pais, o professor Nesar Ahmad Fagiri, de 56 anos, e Safieh Gholami, de 54 anos. "Em seis meses, Vali e Assieh já deverão retomar seus estudos de segundo grau", prevê Rosaura. A família de Nesar saiu de Mazar-i-Sharif em 1990, cansada de perseguições políticas e religiosas iniciadas com a invasão soviética, em 1979, e mantidas depois da retirada, em 1989. Voltou algumas vezes ao país, mas, sentindo-se insegura, preferiu viver num campo de refugiados próximo a Teerã, no Irã, de onde embarcou para o Brasil num programa de assentamento do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). "Eles insistem em que o que mais querem é paz e entendem que nenhum tipo de guerra, por nenhum motivo, é justificável", relata Rosaura. A outra família de refugiados saiu de Mashad na mesma época e tem trajetória semelhante. O técnico em engenharia Abdol Vahed Rahimi, de 37 anos, era deputado municipal e ativista político. Seus filhos Parviz, 7 anos, e Kambiz, 5 anos, estão fascinados com a programação de desenhos animados da televisão brasileira. A pequena Arezoo, de um ano, é a mais bajulada de todo o grupo e de todos os brasileiros que continuam levando presentes - brinquedos, roupas e flores - aos refugiados. Fascinados com a tolerância religiosa do Brasil e impressionados com a liberdade das mulheres, os afegãos preparam-se para se integrar à comunidade. Apesar do tempero mais leve do que aquele ao qual estão acostumados, elogiaram a comida brasileira, especialmente o arroz, e tem pedido apenas que todas as refeições tenham pão. O consumo de café é pequeno, mas o de chá preto é grande. E a carne de porco e bebida alcoólica são gentilmente recusadas. O desejo de conhecer Porto Alegre é tanto que, no último domingo, diante de um convite endereçado apenas a Vali, as duas famílias estavam prontas para um passeio pela cidade. Para atender a todos, os funcionários que estavam trocando de turno no hotel colocaram seus carros à disposição, e o grupo foi caminhar no Parque da Redenção. "Foi agradável ver a chuva se alternando com o sol", conta Vali. "No Afeganistão as estações são bem definidas", compara. Embora não seja um aficcionado do futebol, Vali passa o tempo todo vestindo a camisa número 7 da seleção brasileira que ganhou de presente ao chegar. "Acompanho os jogos do Brasil porque o time sempre tem algum novo craque, capaz de jogadas emocionantes", comenta. Seu irmão Ali Ahmad enverga com orgulho a número 10 do Grêmio. Sinais de que, enquanto o pai Nesar vai escrever um livro de memórias, a nova geração tem pressa em participar das coisas comuns da vida brasileira.

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