PUBLICIDADE

Redes reagem contra ocultação de doadores em relatório da reforma política

Mudança no texto sugere ocultação de qualquer doador; em julho, pesquisadores ouvidos pelo 'Estado' já haviam criticado sigilo

Por Elisa Clavery
Atualização:

A nova alteração no relatório de Vicente Cândido (PT-SP), apresentada nesta terça-feira, 15, na comissão que debate a reforma política na Câmara, que sugere a ocultação de qualquer pessoa física que doar às campanhas, recebeu reações contrárias nas redes sociais. Conforme o Estado adiantou em julho, estudiosos em Direito Eleitoral, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, e o vice-procurador-geral da República, Nicolao Dino, já haviam criticado o sigilo de doadores. Para eles, é um risco à democracia ter uma eleição onde não se sabe quem custeia os candidatos.

Presidente da comissão, deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), e o relatordeputado Vicente Cândido (PT-SP) Foto: ANDRE DUSEK/ESTADAO

PUBLICIDADE

"Enquanto a população deseja a ética e a transparência, os políticos desejam esconder seus doadores. Mais uma da da série de absurdos patrocinados pelo desespero de se manter um vergonhoso sistema político", escreveu em seu Facebook o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos responsáveis pela Lava Jato no Paraná. 

Movimentos sociais e organizações também divulgaram nota pública em repúdio à ocultação. A nota defende que essas informações sejam públicas "para que a sociedade possa acompanhá-las, compreendê-las e colaborar com órgãos de controle oficiais para evitar e coibir eventuais desvios e/ou abusos". São signatários Movimento Transparência Partidária, Instituto Não Aceito Corrupção, Movimento Acredito, Movimento Agora, Instituto Ethos, Open Knowledge Brasil, Transparência Brasil, Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e Vem pra Rua.

ENTIDADES CIVIS PRESSIONAM DEPUTADOS CONTRA FUNDO ELEITORAL E 'DISTRITÃO'

Uma das protagonistas no processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a advogada Janaína Paschoal também se manifestou em apoio aos movimentos. "Uno-me aos movimentos sociais que emitiram a nota compartilhada, repudiando a ocultação de doações eleitorais", escreveu no Twitter.

Pelo novo texto de Cândido, a ocultação deve ser requisitada pelo próprio doador, que terá seu nome apresentado à Justiça Eleitoral independentemente disso - o sigilo vale, apenas, para setores da sociedade. Na versão anterior de Cândido, esse tipo de sigilo estava previsto apenas para quem doasse até três salários mínimos. Se o texto fosse aprovado desta forma, teria ocultado 86% das doações no ano passado, como mostrou o Estado em julho.

Segundo o presidente da Comissão de Estudos de Direito Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo e coordenador adjunto da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, Fernando Neisser, a medida poderia facilitar o uso de “laranjas”, isto é, pessoas que “emprestam” seus CPFs para o registro das doações, mas não são os verdadeiros financiadores das campanhas. Neisser considera ainda que o sigilo poderia criar espaço, por exemplo, para a atuação do crime organizado nas contribuições eleitorais. O advogado, porém, duvida que o projeto entre em vigor. “Essa é a típica medida que cai em controle de constitucionalidade. Isso viola o princípio republicano".

Publicidade

Já Diogo Rais, professor da Faculdade de Direito do Mackenzie e pesquisador da Lei Eleitoral na FGV-SP, alerta que o sigilo faria com que a própria pessoa indicada como doadora não possa ter acesso aos nomes de quem doou. “Não só a Justiça Eleitoral e o Ministério Público devem ter acesso aos dados. Nós estamos num jogo democrático e é necessário que se tenha transparência e acesso a toda sociedade.”

O vice-procurador-geral da República, Nicolao Dino, afirmou que a ocultação compromete o princípio de transparência. "O norte fundamental em qualquer situação consistente em financiamento de partidos ou de campanhas é exatamente a garantia da transparência. Ela que favorece o controle oficial e social", disse à época ao Estado. "Num contexto de estado democrático de direito, o funcionamento de partidos e o custeio de candidaturas deve ser desenvolvido sob o signo da transparência e do controle. Seja pelas instituições, seja pela própria sociedade civil."

Questionado à época sobre ocultação de doadores que contribuíssem com até três salários mínimos, o ministro Gilmar Mendes chegou a dizer que era preciso fazer uma "ponderação muito cuidadosa" para que a previsão de ocultar as doações "não permita uma armadilha no sistema eleitoral".

A nova versão do relatório também aumentou os limites de doação de pessoa física e determinou que o valor individual poderá chegar a 50 salários mínimos nas eleições gerais do próximo ano. O novo texto estabelece que essas regras valem para cada cargo em disputa. Em 2018, serão cinco: deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente da República. Hoje, a legislação vigente limita a doação de pessoas físicas a 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior ao da eleição, sem estabelecer um limite de dez salários mínimos, como diz o texto do relator.

PUBLICIDADE

Cada contribuinte poderá doar até R$ 48.450 em 2018, quando o salário mínimo, previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e que já foi aprovada pelo Congresso Nacional, for de R$ 969. A proposta inicial estabelecia que cada pessoa poderia doar, no máximo, dez salários mínimos ou 10% da renda bruta do ano anterior.

Nesta quarta-feira, o plenário da Câmara vota a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 77, que institui o distritão e cria o fundo público para financiamento das campanhas eleitorais. A proposta de ocultação de doadores, porém, não estará em pauta desta vez e deve ser votada na próxima semana.