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Reconstituir últimos dias é mais fácil que achar restos

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Foto do author Leonencio Nossa
Por Leonencio Nossa e BREJO GRANDE DO ARAGUAIA
Atualização:

Localizar os restos mortais de guerrilheiros é um trabalho complexo e, em muitos casos, quase impossível. Mais fácil é reconstituir os últimos dias de alguns dos integrantes do movimento armado contra a ditadura executados no Araguaia. É o caso do estudante de economia gaúcho Cilon da Cunha Brum, o Simão, que passou cerca de dois meses na Fazenda Consolação, usada como base militar na região de Brejo Grande do Araguaia. O guerrilheiro, que andava e dormia sem algema na base, foi executado por um grupo de militares a poucos quilômetros da propriedade, em 1974. Filha do vaqueiro Antônio Menezes, que trabalhava na fazenda, a professora Maria da Paz, 50 anos, relata que Simão chegou à base muito magro, usando apenas uma calça de tergal escura folgada, amarrada com um barbante. Ele não tinha hábito de usar camisa. "Era um homem alto, branco, cabelos bem pretos e com corte de surfista", lembra. "Chegou fininho, mas depois engordou", diz. "Vivia deprimido na base, falava pouco. Estava sempre com a cabeça baixa." Simão era obrigado a relatar aos militares os "pontos" da guerrilha - encontros que tinha marcado com colegas em áreas determinadas. Quase todos os dias, ele saía cedo com um grupo de militares para encontrar os companheiros. Essa tática foi bastante usada pelo Exército durante a terceira campanha, a Operação Marajoara, entre 1973 e 1974. Todos os guerrilheiros usados como guias, contribuindo ou não, foram executados. Antônio Menezes relata que Simão não escondia o carinho pelas crianças, filhas de vaqueiros, que moravam na fazenda. O guerrilheiro, nas poucas vezes que conversava com vaqueiros e soldados, relatava seus planos. "Ele dizia: ?Tenho fé em Deus que vou ver os meus sobrinhos e terminar os meus estudos", relata Menezes. "Na fazenda, ele não foi maltratado. Acho que ele foi morto por uma equipe de fora." O vaqueiro diz que não viu o dia em que o guerrilheiro fez a viagem derradeira. Antônio Menezes relata ter ouvido de soldados detalhes da execução do guerrilheiro. "Depois de caminhar certo tempo na mata, um sargento disse para ele: ?Simão, você gosta da mata?? Ele respondeu: ?Gosto?. ?Então fica?, disse o sargento, que disparou."

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