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Receita de quem sabe, para uma São Paulo mais feliz

O novo prefeito ficará 1.460 dias no poder. Estudiosos mostram como usar bem esse tempo

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Por Redação
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Ano 2009, manhã de 2 de janeiro. Começa o primeiro dia útil dos 1.460 que terá a nova gestão da prefeitura paulistana, no 5º andar do edifício Conde Matarazzo, centro de São Paulo. Uma avalanche de palpites, pedidos e urgências - em sua maioria irrelevantes e até conflitantes - vai caindo no colo de quem vencer a eleição de hoje. Chega pelas mãos dos 20 secretários, 31 subprefeitos, 55 vereadores, por gente que carregou a campanha nas costas. Qual São Paulo resultaria dessa salada, misturada aos projetos originais do candidato? Ao invés disso, outra pergunta para limpar a paisagem: quais as grandes idéias que podem, de fato, melhorar a vida de 11 milhões de paulistanos? Em busca de respostas, o Estado pediu a veteranos conhecedores da c idade que apontassem o mapa da mina de uma Paulicéia feliz. O que ficou claro: muito do que defendem os políticos passa longe do que ela precisa e merece. A São Paulo dos sonhos desses especialistas terá uma saúde pública rápida e integrada - essa é a prioridade -, que acabará com a demora e o sofrimento. Na educação, fará uma revolução nas escolas infantis, formando professores e lhes dando uma carreira séria. Terá vigorosas cruzadas pelo meio ambiente, em defesa da água e do ar - para que no ano 2020 a cidade não esteja afundada em lixo e com ar irrespirável. A administração abrirá uma guerra por moradias decentes para os 4,6 milhões que vivem em favelas, cortiços, áreas clandestinas e mananciais. Andar pelas ruas será agradável, graças a campanhas radicais que só um prefeito com espírito visionário saberá comandar. Elas farão renascer o espírito público. Vai diminuir a quase nada a guerra no trânsito. Todos vão cuidar de praças, ruas, calçadas, muros, áreas verdes, orelhões, limpeza e silêncio. Por isso tudo, a violência será bastante diminuída, assim como essa infeliz conquista, a arquitetura do medo - ambas frutos do caos e da insegurança. E a cidade terá o trânsito que é possível. Sem milagres, mas fluindo melhor. Talvez com pedágio urbano, se os paulistanos decidirem debater a questão. O arquiteto Hugo Segawa, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, lança um olhar à confusão - que é vida e é caos - à sua volta. "A cidade é um amontoado de microcosmos. Falta uma visão de conjunto", observa. O plano diretor que vai ser reavaliado em 2009 deve focar São Paulo para os serviços, tornar o movimento das pessoas mais lógico e simples. "Hoje há um desapreço pelos espaços públicos e alguém - leia-se, o prefeito - tem de liderar uma revolução cultural pelo que é de uso comum, pela obediência às regras", diz o arquiteto. Porto Alegre fez isso, com resultados excelentes. Brasília é famosa pelo respeito de todos às faixas de pedestres. "Aqui, ao contrário, temos uma cidade mentalmente insegura, onde se instalou uma arquitetura do medo", diz o arquiteto. Quando a cidade se livrará dessa insegurança? "A violência é um problema de múltiplas causas e só se resolve se atacarmos cada uma, de forma integrada e sistêmica", diz a psicóloga Nancy Cardia, uma das coordenadoras do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Ela pode ser tratada no âmbito municipal. Não basta, como apregoaram os candidatos, dar força à Guarda Metropolitana ou inundar a cidade de câmeras de segurança. "O que resolve são as ações preventivas", adverte. Isso começa na área social, com assistência e orientação a famílias em conflito - um fator central dos desequilíbrios. Programas que garantam ida e volta segura de crianças à escola. Mais iluminação. Jornadas mais extensas de crianças na escola, em áreas críticas, "já que não dá pra ter um CEU em cada esquina". E um combate inteligente ao álcool, às drogas. Nancy Cardia chama a atenção para um dado: "Em 12 anos triplicamos a população carcerária. No final, a violência continua aí. E as autoridades sequer proíbem os bares perto das escolas!" A primeira meta - urgentíssima - na saúde "é um atendimento rápido e ágil, que trate o cidadão como ele é, um ser humano. A missão é fazer ele parar de sofrer, é amá-lo", adverte o professor Antonio Carlos Lopes, titular de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Não tem sentido alguém esperar mais que 48 horas para ter um diagnóstico. "Se tiver agilidade, um hospital pode tratar 200 pessoas no tempo de 100. É como se tivesse um hospital a mais, do mesmo tamanho. Você reduz a internação e faz uma grande economia". Mas não haverá tal avanço se a prefeitura não der apoio, carreira e futuro aos médicos, assim como aos professores. Isso vale mais do que esse show de construção civil que propõe levantar mais hospitais, policlínicas, AMAs e UBS, creches e CEUs, quadras, piscinas... O médico tem de ter uma carreira, não ficar passando de uma unidade para outra. O Programa Saúde da Família tem de ser múltiplo, com clínico, cirurgião, pediatra e ginecologista. "E as escolas, avisem lá, são um lugar para se transmitir conhecimento, lembram?", insiste a professora Silvia Colello, titular e consultora da Faculdade de Educação da USP. Ela fala claro: ou se ataca a questão da qualidade do professor e da aula ou nada vai mudar. As EMEIs viraram centro assistencial. As creches, depósitos de crianças. Aumentar esses serviços não basta: o mundo de hoje pede que se formem pessoas desde o berço. Um plano inteligente é criar novas gerações de formadores pedagógicos. "Pôr gente numa sala é uma parte ínfima da tarefa de formar cidadãos." Mas a cidade só pode ser melhor quando todos morarem melhor, avisa Kazuo Nakano, o urbanista que cuida de políticas habitacionais no Instituto Polis. "É um desafio gigantesco. O déficit de moradias na cidade anda pelos 500 mil. Juntem-se 1,6 milhão de favelados, mais 3 milhões que moram em loteamentos clandestinos... No plano diretor que está para ser renegociado é urgente dialogar com os investidores, criar planos para famílias entre 5 e 10 salários mínimos." Nenhum candidato falou em reduzir a emissão de monóxido carbono no ar da cidade - que, adverte o Greenpeace, é talvez o maior perigo de todos, no médio prazo. "O desinteresse dos candidatos pelo meio ambiente foi algo assustador", ressalta Sergio Leitão, diretor de Políticas do movimento. Num prazo de 10 a 20 anos poderemos estar cercados por montanhas de lixo. "Há um apagão não declarado na área do lixo. Está parada há 12 anos, no Congresso, uma Política Nacional de Resíduos Sólidos. Vamos ter uma prefeitura brigando a sério por isso? A cidade tem um projeto para reduzir em 30% a emissão de monóxido de carbono até 2012. Algum candidato sabia disso?? E há, atravancando tudo isso, o trânsito - 6 milhões de carros para 17 mil km de ruas, 800 carros novos a cada dia. Quem tem carro não quer mudar de hábitos. "Hoje esse é um assunto intratável", admite Orlando Strambi, do Departamento de Engenharia de Transportes da Escola Politécnica da USP. Não há mágicas: a saída é "combinar um conjunto de idéias, de efeito multiplicador". É preciso uma discussão séria sobre pedágio urbano, "na qual os paulistanos entendam o que terão a ganhar, não o que vão perder". A solução para os carros deve estar conectada a outras pontas do problema. Ampliar o metrô, que é caro e demorado, mas tem de ir em frente. Investir pesado nos corredores de ônibus, criar ciclovias ligando estações de metrô a bairros próximos, para que mais gente possa deixar o carro em casa. Não vai ser um paraíso, mas pode ficar muito melhor do que está.

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