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Racionamento amedronta agricultores nordestinos

Por Agencia Estado
Atualização:

Os trabalhadores rurais das quatro agrovilas de Glória, nas imediações da Barragem de Itaparica, na Bahia, vivem um clima de preocupação, fruto da crise energética que levou ao fechamento de usinas hidroelétricas ao racionamento e à ameaça de apagões no Nordeste. O quadro de incerteza tem gerado especulações entre a comunidade, que fala em iminente colapso de energia e no fim da água do Lago de Sobradinho (responsável por 60% da água que gera energia para o Nordeste e está com 16% do seu volume). "Só Deus pode evitar uma catástrofe", acredita Miguel Gomes de Melo, de 55 anos, reassentado da Agrovila-5, a 40 quilômetros de Paulo Afonso. "Nunca vi uma situação tão difícil". Ele frisou que, se o nível da barragem diminuir muito os pequenos agricultores não terão como bombear a água para manter a irrigação. Apesar do medo, ele continua plantando e, por enquanto, a água tem sido suficiente. A energia, mesmo racionada, permite a irrigação dos seus dois hectares de coco, goiaba e maracujá. Diante do temor de ficar sem irrigação já no próximo mês Expedito Arcelino, reassentado da Agrovila-3, preferiu não arriscar. Deixou de plantar sua roça de melancia, tomate e cebola na vazante da barragem. Para ele, pior do que não plantar é ver tudo se perder. "Isso acontece porque o racionamento não representa uma solução efetiva", disse o bispo de Paulo Afonso, Dom Esmeraldo Barreto de Farias, responsabilizando o governo pelo "clima de desespero" entre os trabalhadores. Desativadas - O "pânico" tomou conta dos agricultores reassentados pela primeira vez há dois meses, quando as usinas hidroelétricas de Moxotó e Paulo Afonso I, II e III foram desativadas pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). A medida, que promoveu uma economia de 120 metros cúbicos por segundo da água do Rio São Francisco, equivalente a 120MW, os apavorou. "Pensamos que era o caos", disse Melo, que integra o conselho de administração do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Glória. A direção da Chesf convocou uma reunião para explicar a medida e o tempo mostrou que a desativação não prejudicou a população ribeirinha. Agora, o temor é em relação ao nível do reservatório de Sobradinho, que regula a vazão do rio e alimenta as outras usinas do sistema Chesf - Itaparica, Moxotó, Paulo Afonso I, II, III e IV e Xingó. A vazão normal, de 2 mil m3/s, foi reduzida para 1 mil m3/s. "Dessa vez, o próprio pessoal do governo diz que só a chuva vai resolver o problema", observou o agricultor. Ele morava na zona rural de Glória, um município que foi inundado pelas águas da barragem de Itaparica em 1983. A barragem atingiu oito municípios pernambucanos e baianos. Quarenta e duas mil famílias foram desalojadas, das quais 6.500 reassentadas pela Chesf em 147 agrovilas, num processo penoso que ainda se arrasta. Segundo o presidente do Pólo Sindical do Submédio São Francisco, Ademar Fagundes Vieira, são muitas as pendências nos reassentamentos. "Itaparica foi construída a um alto preço social", afirmou ele, que luta pela resolução das pendências. Vieira não está contaminado pelo clima de terror e tem outro tipo de reivindicação: a exclusão de todos os trabalhadores rurais do semi-árido nordestino do programa de racionamento de energia elétrica. "O racionamento de água na agricultura irrigada compromete diretamente a renda dos produtores, que ficam impossibilitados de honrar suas dívidas", ressaltou. Somente dez anos depois de a terra e a casa de Melo desaparecerem sob a água foi que ele recebeu, em 1993, uma pequena casa e um lote de 4,2 hectares na agrovila onde mora. Devido à falta de ajustes no sistema de irrigação, a Chesf ainda assume a despesa com a energia gasta pelas 70 famílias do local. A crise chegou no momento que Melo começava a engrenar seu negócio. Hoje ele tira de R$ 200,00 a R$ 300,00, mas sua intenção é cultivar banana e outras frutas nos 2,2 hectares restantes para aumentar sua renda. "Quando a gente começa a se organizar vem uma rebordosa dessa." Polêmica - O fechamento das quatro usinas da Chesf não significa que elas deixaram de ter função ou estejam abandonadas de acordo com o gerente regional de operação de Paulo Afonso, Zanyl Lira Rêgo. Os funcionários trabalham na sua manutenção e estão a postos para recolocá-las em funcionamento diante de qualquer emergência ou necessidade. Segundo Rêgo, nesses dois meses de fechamento, duas delas (Moxotó e Paulo Afonso III) já foram ativadas em razão da indisponibilidade de energia vinda de Tucuruí. Segundo ele, o fato de as usinas não estarem sendo necessárias no momento não quer dizer que estejam superadas ou obsoletas. As quatro juntas geram 1.964 MW e estão sendo dispensáveis por causa da importação de 1.300 MW de Tucuruí e do racionamento de consumo de 20%. "Com a volta à normalidade, elas voltam a ser imprescindíveis", garantiu Rêgo. "O problema não são as usinas, não é a potência instalada, mas a falta de água." O Rio São Francisco é a única fonte de geração de energia elétrica do Nordeste. A água que chega a Moxotó (AL) e Paulo Afonso (BA) vem dos reservatórios de Três Marias (MG), Sobradinho e Itaparica, na Bahia. Ao chegar em Paulo Afonso a água se bifurca, fazendo dois caminhos para produzir energia. Os dois desaguam no cânion do São Francisco, que leva a água para gerar energia em Xingó (SE). Com a necessidade de economia de água, a Chesf está utilizando um só caminho, o de Paulo Afonso IV, que tem capacidade de geração de 2.640 MW e mais produtividade do que as outras. Ela consegue gerar energia com menos água porque sua queda d´água é maior - de 110 metros contra 80 metros das outras quatro. A Chesf também adotou outra medidas de contenção. Está gerando energia térmica em Camaçari (BA) e adquirindo energia de autoprodutores, economizando outros 105 MW, ou 105 m3/s da água do rio.

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