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Quilombolas ganham área de Alcântara

Reconhecimento do território é uma tentativa para pôr ponto final na briga entre órgãos do próprio governo que se arrastava desde 2006

Por Roldão Arruda
Atualização:

Os quilombolas obtiveram ontem importante e emblemática conquista perante o governo federal. Trata-se do reconhecimento do território da Comunidade do Quilombo Alcântara, no Maranhão: uma área de 74.105 hectares, na qual vivem 3.554 famílias, divididas em 106 pequenas comunidades e com população estimada de 16 mil pessoas. A área corresponde a 65% do território do município de Alcântara, que tem 114 mil hectares. Equivale a quase metade da cidade de São Paulo, com cerca de 150 mil hectares. Leia a íntegra do edital do Incra que reconhece área Enquete: Terras quilombolas devem ser reconhecidas? Saiba mais sobre os quilombos existentes no País O reconhecimento do território, por meio de um edital do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), publicado no Diário Oficial da União, é uma tentativa de pôr um ponto final na briga que vinha se arrastando desde 2006 entre órgãos do próprio governo. De um lado estavam os Ministérios da Defesa e de Ciência e Tecnologia e a Agência Espacial Brasileira, interessados na consolidação do Centro de Lançamento de Alcântara - uma área de segurança nacional, destinada ao lançamento de foguetes espaciais; e do outro o Incra e a Secretaria da Igualdade Racial, que defendem os interesses dos quilombolas. Com o edital de ontem, o governo reconhece o direito dos quilombolas, mas também mantém intacta - e até amplia - a área ocupada pelo centro de lançamento, controlada pela Aeronáutica. Os militares terão 8.713 hectares, além de uma outra área, não contígua, de 590 hectares, que provavelmente será ocupada por um porto. Os dois lados tinham urgência. Os quilombolas temiam que os militares levassem adiante seus planos de ampliação da área de segurança do centro de lançamento; e os militares precisavam acabar com a polêmica para pôr em andamento o acordo celebrado recentemente entre o Brasil e a Ucrânia para o lançamento de foguetes naquela base. Um dos sinais indicadores dessa urgência foi o fato de o edital ter ficado pronto por volta das 10 horas da noite de segunda-feira, após ter sido aprovado pelo Palácio do Planalto; e saído dali diretamente para a gráfica - para ser incluído na edição de ontem do Diário Oficial. Tecnicamente o edital é um instrumento jurídico pelo qual o Estado brasileiro reconhece a existência de uma antiga comunidade de descendentes de escravos na região e, em seguida, identifica e delimita o seu território, conforme determina a Constituição. A partir de agora, qualquer pessoa ou instituição contrária à medida terá 90 dias para contestá-la junto à Justiça. O próximo passo será a retirada dos 358 proprietários rurais que ali vivem. O governo ainda não fez um levantamento das características destes proprietários, mas, segundo informações não oficiais, eles são donos de pequenas áreas e, em quase 90% dos casos, são quilombolas. Isto significa que receberão a indenização e continuarão morando na área, mas sem título de proprietário. Todos os quilombos são demarcados como área coletiva. Ontem, ao comentar o reconhecimento da área dos remanescentes do Quilombo Alcântara, o presidente do Incra, Rolf Hackbart, disse: "Com esse relatório aquelas comunidades passam a fazer parte da República do Brasil. Estamos cumprindo aquilo que a Constituição determinou há vinte anos". O ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, também comemorou a medida: "A publicação do relatório resgata a confiança da população quilombola de Alcântara em relação ao Estado brasileiro e ao Programa Espacial". Santos lembrou ainda os conflitos entre a população e as autoridades: "A população ainda tem receio, pois guardou na memória, da época em que foi instalado o Centro de Lançamento de Alcântara, a remoção de parcela dos moradores para agrovilas que não condiziam com o seu modo de vida". Para o líder quilombola Sérvulo de Jesus Moraes Borges, do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial, o governo apenas cumpriu seu dever: "Não estão nos dando nada. Estão apenas reconhecendo nossos direitos".

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