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''Quero ser sensato, sábio e justo''

Entrevista - Ricardo Tadeu Marques da Fonseca: desembargador do TRT; Vinte anos após ser reprovado no concurso para o TRT, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca consegue a vaga

Por Felipe Recondo e BRASÍLIA
Atualização:

Há 20 anos, Ricardo Tadeu Marques da Fonseca foi reprovado no concurso para juiz do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo por ser cego. Ontem, tornou-se o primeiro magistrado deficiente visual do País. "Não tenho mais grandes ambições. Quero ser um juiz sensato, sábio e justo", disse ao Estado antes de saber da nomeação. Leia a íntegra da entrevista do desembargador Tadeu da Fonseca Como foi sua escolarização? Eu fui alfabetizado pela minha mãe, que me ensinou a escrever e a fazer contas. Na escola, tive professoras que escreviam os textos com letras maiores para eu poder ler. Não foi para uma escola especial? A minha família achava que eu tinha de estudar numa escola comum. Inclusive eu jogava bola com a molecada. Sempre fiz tudo, brigava, apanhava, batia. Como foi o vestibular? A Fuvest na época não sabia como fazer a prova pra mim. Propus que gravassem as questões em fita cassete. Fui assim que fiz as provas e passei no Largo do São Francisco. O sr. ficou cego no meio do curso. Como fez para se formar na universidade? A minha turma, de 1984, foi muito legal. Cada colega escolheu um livro que gostava mais e gravou o conteúdo em fita cassete. Eu escutava tudo e fazia as provas oralmente. Assim eu me formei, fiz mestrado na USP e doutorado na Universidade Federal do Paraná. E sua carreira profissional? Comecei a trabalhar num escritório de advocacia trabalhista. Era muito difícil conseguir um emprego melhor. O juiz Osvaldo Freus, do Tribunal do Trabalho de Campinas, me convidou para ser assessor dele. Foi ele que me estimulou a fazer concurso para a magistratura. O sr. fez as provas? Comecei a fazer o concurso em 1989. Eu estava entre os 10 primeiros colocados e quando eu ia fazer a prova de sentença, que era justamente com o que eu trabalhava, anteciparam o meu exame médico. E eu fui cortado. Com que argumento? Juiz cego não pode trabalhar. Eu sempre contestei isso. Eu sempre dizia: senhores juízes, quando os senhores têm de ler um texto em língua estrangeira se louvam de um tradutor juramentado. Não é assim? É. O ledor funciona para mim como o tradutor juramentado funciona para vocês. O centro acadêmico da Faculdade de Direito realizou um ato público. E quem estava na direção do centro acadêmico era o Toffoli (José Antonio Dias Toffoli, advogado-geral da União). Eles ficaram indignados com a história. Foi o que me fez acreditar na Justiça. O sr. não tentou nada por via judicial? O ministro Eros Grau era meu professor na época e fez um mandado de segurança pra me defender. Ele e a Paula Dallari. Não deu certo, mas foi lindo o mandado de segurança. Quando foi para a procuradoria, a deficiência visual atrapalhou? Eu não acho que a cegueira deva ser usada como um pretexto médico, porque não é uma questão médica, é uma questão técnica. Se um cego pode ou não ser procurador é uma questão técnica. Como eram as audiências? Eu percebo quando a testemunha se mexe na cadeira, se está à vontade, se está nervoso, tudo pelo tom de voz. Isso nunca foi problema para mim. Eu sempre instruí muito bem meus inquéritos. O sr. espera alguma resistência como desembargador? Não. Eu tenho fé que não, que isso será assimilado pela sociedade brasileira. O que o senhor necessitará agora? Os desembargadores têm assessores. Eu também vou precisar. Quero me adaptar ao programa de leitura de voz de computador que lê tudo o que está na tela porque os processos serão digitalizados. Nem de ledor humano precisarei mais. É questão de tempo.

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