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''Quem vai julgar qual organização poderá atuar?''

Para d. Tomás, questão não é técnica e decisão deveria caber a um conselho, com ampla participação dos índios

Por Roldão Arruda
Atualização:

Quem vai definir qual pesquisador, missionário ou organização poderá entrar em terras indígenas? Essa é a preocupação do bispo d. Tomás Balduíno, assessor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e que ele ajudou a fundar, no ano de 1972 - em plena ditadura militar. "Sabemos que existem ONGs e ONGs e que a Amazônia, com suas riquezas minerais, sua biodiversidade, envolve muitos interesses além daqueles relacionados diretamente aos indígenas que ali vivem", diz ele. "Mas quem vai julgar qual pessoa ou organização poderá atuar ali? A Funai? Algum funcionário com direitos policiais do Ministério da Justiça? Algum técnico? Não acho que nenhuma dessas instâncias tenha autoridade moral para fazer isso." Na opinião do bispo, o melhor caminho seria delegar as decisões a um conselho, com ampla participação indígena: "Não se trata de questão técnica. É preciso muito discernimento, conhecimento da cultura indígena. Nós, missionários católicos, já fomos proibidos de entrar em determinadas áreas indígenas, nos anos da ditadura militar, por questões ideológicas. Vetavam nossa entrada, mas permitiam a presença de determinados missionários americanos, evangélicos, considerados mais confiáveis do ponto de vista ideológico." Para o fundador do Cimi, organizações que atuam com os povos indígenas deveriam acima de tudo propiciar condições para que aprendessem a caminhar com as próprias pernas. "Qualquer missão deve ajudar o índio a ser ele mesmo, em vez de transformá-lo em pau mandado dessa ou daquela organização ou missão", afirma. "No caso da Raposa Serra do Sol, em Roraima, tivemos casos de índios que foram cooptados e hoje se opõem ao seu próprio povo." O bispo se refere aos índios contrários à demarcação da terra indígena de forma contínua - para permitir a presença de não-indígenas naquela área. POLÊMICA A discussão sobre a presença de ONGs em áreas indígenas intensificou-se nos últimos meses entre entidades que representam os índios e também entre especialistas. Num recente debate em Brasília, a socióloga indígena Azelene Kaingang afirmou que a Comissão Nacional de Política Indigenista - apontada pelo governo como conquista dos índios - não teria legitimidade porque seus integrantes seriam indicados por ONGs e não por suas comunidades. A partir do blog que mantém na internet, o antropólogo Mércio Pereira Gomes, ex-presidente da Funai, é hoje um dos críticos mais ácidos da ação das ONGs entre índios. "A maioria das ONGs só tem deixado os índios mais dependentes, seja delas próprias, seja da Funai", afirmou ele num dos textos do site. "Às vezes essa dependência é financeira, pois as ONGs neoliberais saem à frente e conseguem recursos para as organizações indígenas. Às vezes a dependência é ideológica, quando as ONGs neoliberais ditam o modo das organizações indígenas pensarem e atuarem."

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