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Proposta do governo é pagar para ser anistiado, diz procurador

Carlos Fernando dos Santos Lima vê desvirtuamento no uso de acordos de leniência, que servem para produzir novas provas de corrupção

Por Fabio Fabrini
Atualização:

BRASÍLIA - Para o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, os acordos de leniência servem para produzir novas provas de corrupção, mas o governo desvirtua o instrumento e prioriza ressarcimento de prejuízos causados pelas empresas. "O interesse sempre é, de uma forma branda, 'pague para ser anistiado, para resolver o seu problema', critica. "A confusão que está havendo é para que não se dê resultado algum", acrescenta.

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Quais são as divergências da força-tarefa com o Executivo?

Acordo de leniência não é para salvação de empresas. É para provar a corrupção de agentes públicos, políticos e empresas. Cada órgão transaciona as suas sanções. O problema é que está havendo o uso, desde o governo anterior, mas continua neste governo, político dos acordos no sentido de dificultar as investigações do MPF (Ministério Público Federal)

O procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba Foto: Pedro Filho/EFE

De que forma há uso político?

A Lei Anticorrupção não permite acordo com todas (as empresas). Elas têm de acrescentar um passo criminoso, uma corrupção nova, para poder merecer um acordo perante o Executivo. (...) Primeiro, tenta-se um acordão com as empreiteiras. A medida provisória 703 (editada pela presidente afastada Dilma Rousseff) não exigia mais a autoincriminação, não exigia mais fatos novos. Com isso, você tirava a principal característica da leniência, que é produzir as provas. Com isso, nós, o MPF, ficávamos sem prova nenhuma. 

Por que o "uso político" continua no atual governo?

Quando você faz uma investigação, tem pressa de chegar aos elementos de prova. Se você botar na mesa CGU (Controladoria-Geral da União), AGU (Advocacia-Geral da União) e TCU (Tribunal de Contas da União), cujas decisões são colegiadas, como você vai fazer um acordo que realmente atinja o objetivo de produzir provas a tempo? Não preciso de provas daqui a dez, 15 anos. A confusão que está acontecendo no governo federal é proposital. Não é aleatória, causada por uma briga entre os órgãos. A confusão que está havendo com os objetivos reais dos acordos é para que não se dê resultado algum.

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A seu ver, é para que não se produzam provas?

Para que não se produzam provas. Por isso, o MPF vai continuar fazendo os acordos dele, independentes. Até agora nós temos cinco ou seis. O Executivo não conseguiu fazer nenhum. Se dependesse do Executivo, eu ainda estaria na Diretoria de Abastecimento (da Petrobrás) investigando a Land Rover do Paulo Roberto Costa. Você não pode deixar a burocracia dominar o instituto, que é feito para ter agilidade. Já conseguimos, com os acordos, mais de R$ 3 bilhões em dois anos. 

Ao propor um entendimento com vários atores, o governo está procrastinando?

A melhor solução é a da lei. A antiga CGU - que, aliás, foi uma perda ter sido transformada em ministério - tratar desse assunto e o TCU ficar, ao fim, na função de homologar. Assim como o juiz não se mete no acordo e só passa a analisar a homologação depois de ser assinado, a função do TCU também deveria ser essa. 

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O governo está negociando acordo com ao menos oito empreiteiras. Enfatiza a restituição ao erário. 

O aspecto está desvirtuado desde o governo anterior. Sob esse discurso de querer ressarcimento, de salvar empresas, salvar empregos, o que eles estão fazendo é prejudicar as investigações. O que eles têm de fazer é aplicar a inidoneidade, porque essa é a obrigação do Executivo. Na questão de acordo de leniência, eles têm de obedecer a lei, que é muito clara: para cada acordo novo, tem de haver fatos novos. As grandes empreiteiras querem falar o que eu já sei. 

O interesse, ao seu ver, é anistiar as empresas?

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O interesse sempre é, de uma forma branda, "pague para ser anistiado, para resolver o seu problema". (...) A ideia de fazer muitos acordos vai contra a lei. A lei é para combater a corrupção, o que eles estão tentando fazer com essa lei é torná-la um "Refis" da corrupção: "Posso corromper porque mais tarde consigo resolver perante o Executivo. Pago e resolvo".

Saiu um acordo do MPF no Rio em parceria com o Executivo.

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Logo em seguida, vi notícias dos pareceres técnicos do TCU que pediram a suspensão. Aqui na força-tarefa percebemos para que servem os acordos. Parece que o governo não percebeu ou, se percebeu, está jogando contra. Este (governo) inclusive. O anterior, com certeza. 

O novo ministro da Transparência pretende alterar a Lei Anticorrupção. Discute-se um convênio entre os órgãos.

Não tive acesso ao texto. Até acho que isso é interessante, mas veja bem o meu caso. Aqui na força-tarefa tem uma empreiteira que tem o interesse (em acordo). Preciso das provas, preciso de sigilo. Vou chamar o governo federal, boa parte deles investigados, para sentar numa mesa para revelar os fatos para esse mesmo governo? Os fatos que eu vou usar para investigá-lo? Na maior parte dos casos, o MPF vai ter de fazer acordo em separado. 

Por que é uma perda a CGU virar um ministério?

Os órgãos de controle devem estar subordinados diretamente ao Presidente da República, acima das outras áreas de execução. Agora, transformada em ministério, ela está equiparada às outras áreas de execução, como qualquer outro ministério, e ela perde essa ascendência e a ligação direta com a Presidência. A pessoa que investiga os fatos envolvendo outras pessoas de outros ministérios é um órgão de Estado, não é um órgão de governo. Ela perdeu essa característica.  

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