‘Programa político não há. A luta de Bolsonaro é pelo poder’, diz Luiz Werneck Vianna
Cientista político diz que presidente não tem diretriz e adiamento de atos não encerra pressão sobre Congresso e STF
Entrevista com
Luiz Werneck Vianna
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Luiz Werneck Vianna
14 de março de 2020 | 05h00
RIO - O recuo do presidente Jair Bolsonaro do apoio às manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), marcadas para o domingo, 15, não encerra a disposição do mandatário de pressionar os outros poderes, avalia o cientista político Luiz Werneck Vianna. O pesquisador vê na mobilização – temporariamente suspensa pelo presidente na quinta-feira – “uma tentativa de forçar os limites da institucionalidade, para rompê-la”.
O objetivo seria “totalizar a política brasileira por um projeto de poder”, sem objetivo. Segundo ele, diferentemente do que ocorreu no governo de Jânio Quadros (1961) e na ditadura (1964-1985), a iniciativa autoritária que atribui a Bolsonaro não tem programa. “É o poder pelo poder, para acumular poder”, diz ao Estado o intelectual, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio.
Werneck Vianna afirma que, em sua ofensiva contra as instituições, Bolsonaro apela a uma “ralé”, como descrita por Hanna Arendt (1906-1975), fração social formada por ressentidos de diferentes classes. Esse grupo social, ressalta, é uma realidade nova e pode se tornar base do presidente. O pesquisador diz que o sistema político foi muito atingido pela Operação Lava Jato e lamenta que o País não tenha líderes como foram Ulysses Guimarães (1916-1992) e Tancredo Neves (1910-1985). Diz esperar que surjam novas lideranças políticas e explica sua esperança com variação da frase de Guimarães Rosa em Sagarana: “O sapo não pula por boniteza, mas porém por precisão (necessidade)”.
Foi político. Ele sentiu o esvaziamento. O coronavírus foi a sopa no mel.
Essa coisa vai ser retomada, sim, quando ele encontrar condições favoráveis. Faz parte da natureza desse regime. É destruir as instituições da democracia política. E com apoio de massas.
Há uma tentativa de forçar os limites da institucionalidade para rompê-la. Há uma estratégia por trás de tudo isso, que é a conquista do poder político total.
Há uma tentativa de totalizar a política brasileira por um projeto de poder. Porque programa político não há. A luta é pelo poder. Ele quer todo o poder possível, acumular poder, maximizar poder. O limite do poder é o poder. Então, esse é que o leitmotiv dessa ação presidencial. Não tem programa nenhum.
É o poder pelo poder.
Tem precedente sim, mas havia um programa envolvido. Agora não tem programa nenhum...
O Jânio (presidente em 1961 por sete meses, até renunciar) tinha um programa. Terceiro-mundista lá, aquela época do Terceiro Mundo, naquele contexto. Do (presidente egípcio Gamal Abdel) Nasser (1918-1970), ele andava até com umas roupas…
É… O Jânio tinha um programa muito definido. Agora, não tem, Qual é o programa? O próprio regime militar, que não apelou às massas, mas quando tomou todo o poder para si tinha um programa, de modernização por cima da sociedade. Agora não tem.
Acho que há, na verdade, um projeto de fascistização do poder político no Brasil. A minha conclusão é essa. Não tem programa econômico, não tem programa social, não tem programa de sociedade, de país, de nada. Quer o poder todo. Para fazer o quê? Conservar poder, mando.
Às elites econômicas, interessaria o caminho de eliminação de obstáculos sociais à acumulação. Agora, mas só isso? A esta altura, não nos basta. A economia não tem andado. Não tem obstáculo nenhum, nenhum, nenhum diante dela. Ela não anda porque não anda, porque não tem agentes econômicos interessados, envolvidos, não tem sociedade para isso. Este governo não tem programa econômico algum. Tem um programa político, de extrair o máximo de poder possível de todas as fontes existentes de poder. Para fazer o quê? Para exercer o poder total.
Essas perguntas poderiam ser feitas também à expansão do fascismo na Itália, do nazismo na Alemanha… Bom, o nazismo na Alemanha teve as compensações do emprego, da ordem...Mas essa pergunta não sei responder, entendeu? O que as pessoas estão querendo com isso, estão se deixando mobilizar por isso...
Eu não compartilho da ideia de que esse governo está tonto. Esse governo tem um projeto, o de conquistar todo o poder político para si. Quando ele conseguir isso, o que vai fazer? Vai conservar isso. Agora, para quê? Eles não sabem, não têm programa.
Mas volta atrás sempre em um movimento de dissimulação. Porque o norte permanece. Qual é o norte? É a conquista de todo o poder político. O caso aí dessa moça (Regina Duarte) que está na Secretaria de Cultura... Está aí em uma circunstância muito particular. Mais dia, menos dia, ela vai ser ejetada.
É um método. É um método de teste de força. Sabe? Porque o objetivo é, sempre, puramente político. Não em outra coisa qualquer. Agora, vem cá. Tem uma realidade nova no País. Tem uma ralé. Essa ralé pode ser tornar uma base social de apoio a ele. Entendeu?
Ah, são os desapropriados de tudo, não é? De tudo… Mas não é só pobre, não. É classe média também. É ressentimento, ressentimento. E falta de valores, também. A sociedade há muito tempo abdicou de valores. A sociedade se deixou perverter. Há agentes de perversão nisso.
Isso, isso. Olha, (falo) no sentido mesmo que Hanna Arendt fala.
A imprensa profissional expressa interesses organizados. Ele quer desorganizar tudo. Ele precisa de um vácuo, de um vazio.
Ah, estão. Tenta-se destituir as instituições. As instituições têm resistido. Há uma possibilidade de conseguirem destituir as instituições. Há a possibilidade. O fato é que a imprensa, a mídia, tem se comportado de forma muito valorosa em relação a isso. Os articulistas… A situação está cada vez mais clara. Estão pondo a nu as circunstâncias em que estamos envolvidos. Agora, depende de uma força política que interrompa essa maluquice, né?
Não, não existe. Por ora, não existe.
A Lava Jato ajudou muito, né? Ajudou muito.
Porque minou as instituições, minou os partidos, desmoralizou a política.
É, vamos ver se vai ter (Benito) Mussolini (1883-1945, ditador fascista da Itália de 1922 a 1945) aí. Não tem Mussolini.
Não tem. Porque Mussolini, inclusive, era um homem preparado. E tinha programa. Aqui, é um fascismo nu.
Mas isso não tem como ocorrer. Esse Congresso, apesar de ter uma das composições mais fracas da história republicana, resiste. Porque é o Congresso, é a política. A política é a política.
O Judiciário, setores do Judiciário. O Supremo, por exemplo.
Depende de lideranças. Quer dizer, as nossas lideranças estão muito velhas. O Fernando Henrique é uma liderança muito débil. As declarações dele não ajudam. Embora ele tenha declarações diárias, elas não ajudam. Estamos muito longe de um Ulysses Guimarães, estamos muito longe de um Tancredo.
Não tem, ainda não tem. Vai aparecer, vai aparecer. O sapo pula por precisão, não por boniteza.
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