Privatização atinge loteamento político

Plano de venda da Eletrobrás, Infraero e Casa da Moeda abre frente de insatisfação em partidos da base que mantêm apadrinhados nas estatais

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Por Felipe Frazão e Thiago Faria
Atualização:

BRASÍLIA - O pacote de privatizações do sistema Eletrobrás, Infraero e Casa da Moeda anunciado na semana passada pelo governo Michel Temer mexeu no vespeiro do loteamento político e abriu uma nova frente de insatisfação e reações na base governista. O plano vai reduzir a zona de influência partidária nas empresas. Um mapeamento feito pelo Estado identificou ao menos 30 indicações políticas nas diretorias das empresas a serem privatizadas. 

Os nomes são vinculados, principalmente, a PMDB, PSDB, DEM, PR, PP, PTB e até ao PSB, que deixou a base em maio, mas mantém o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho.

A Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf) integra o pacote de privatizações do governo federal Foto: CHESF

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Na Eletrobrás, por exemplo, apesar de o presidente Wilson Ferreira Júnior ser apontado como uma indicação pessoal do presidente Michel Temer, entre os diretores há nomes ligados ao PMDB do Senado e até ao PSDB de São Paulo. Nas subsidiárias, os três diretores da Amazônia GT foram indicados pelo senador Eduardo Braga (PMDB-AM), que recentemente passou a fazer oposição. Ele nega as indicações.

PMDB e PSDB também são responsáveis por nomeações nas cúpulas da Eletronorte e da Eletrosul. No caso da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), que até 2014 esteve sob área de influência do PSB, hoje tem a maior parte dos cargos divididos entre o PMDB e o PP.

Líderes desses partidos dizem ser favoráveis às privatizações, mas, à sua maneira, cada um rechaça vendas na área em que exerce influência. 

Parlamentares do Nordeste, por exemplo, já defendem nos bastidores excluir a Chesf do pacote de privatizações por sua importância para a região. 

Discurso semelhante é adotado em relação a Furnas, entregue pelo governo Temer a deputados de Minas Gerais. A bancada mineira do PMDB, que apadrinhou o presidente da companhia, Ricardo Medeiros, aprovou anteontem na executiva estadual uma moção contrária à privatização de Furnas e das usinas da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Os parlamentares se dizem revoltados e querem pressionar o Planalto a rever a decisão. Com apoio dos prefeitos, vereadores e deputados estaduais, eles pretendem levar o texto a Temer e ao presidente nacional do partido e líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR). “Temos que privatizar tudo que dá prejuízo, mas água e energia são questões de estratégia nacional. Isso é grave e não tem a ver com cargos. O governo devia deixar as hidrelétricas por último e começar por aeroportos. Os governos passam, mas o patrimônio do povo mineiro fica”, disse o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG).

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O movimento ecoa no DEM e no PSDB, historicamente favoráveis à privatização, e que chancelaram o diretor de Engenharia de Furnas, Cláudio Guilherme Branco da Motta. “Furnas é uma das principais empresas de geração e transmissão de energia. A gente vê esse caso com preocupação em relação à segurança nacional, é uma área fundamental para o desenvolvimento estratégico”, afirmou o presidente do PSDB em Minas, deputado Domingos Sávio. Embora seu partido tenha aderido ao governo Temer com a condição de que fosse realizado um “programa consistente de privatizações e concessões”, o tucano nega contradição. “O PSDB nunca defendeu privatização de maneira generalizada, nossos adversários tendem a querer generalizar.” 

Outros partidos da base como PR e PTB também devem ser afetados. O primeiro tem influência sobre a diretoria da Infraero, enquanto o segundo indicou diretores da Casa da Moeda. Em ambos os casos, porém, não há a chamada “porteira fechada”, quando um partido indica todos os cargos. No mapeamento, a reportagem identificou indicados ligados a outras legendas, como PMDB e PV.

O deputado federal Nelson Marquezelli (PTB-SP), responsável por “apadrinhar” o presidente da Casa da Moeda, Alexandre Borges Cabral, disse que seu partido apoia todas as privatizações, mas que alguns casos têm de ser “bem pensados”. “A Casa da Moeda é centenária, importante, começou a dar lucro, melhorou. Tem alguns casos que são fundamentais para o País.”

Ex-ministro de Minas e Energia, o senador Edison Lobão (PMDB-MA) é contra a venda da Eletrobrás, mas diz que sua posição nada tem a ver com fisiologismo. O PMDB tem a indicação das diretorias de Transmissão da Eletrobrás, que está com José Antônio Muniz Lopes, e de Gestão Corporativa da Eletronorte, com Astrogildo Quental. Para o ex-ministro, Muniz Lopes e Astrogildo são profissionais competentes. “Indicar pessoas assim é um ato benéfico para o Brasil”. Lobão disse ser favorável às privatizações de maneira geral, mas definiu como “grande equívoco” a ideia de colocar a estatal à venda. 

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Congresso. O governo ainda não definiu o modelo que adotará para privatizar a Eletrobrás, mas já sabe que dependerá do Congresso para aprovar uma mudança de regime das usinas hidrelétricas que renovaram suas concessões na era petista. O objetivo é permitir que as empresas voltem a vender energia a preços de mercado. A proposta ainda está em fase de consulta pública e deve resultar na edição de uma medida provisória. Reservadamente, um ministro do círculo próximo a Temer admitiu que haverá problemas na base porque “ninguém quer mexer no seu”.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse que o governo não conversou com o Parlamento sobre o pacote. “Não sei avaliar se passa, porque não foi discutido com o Congresso. Tem que ver para onde vai o dinheiro, se é para investimento ou só para tapar buraco”, afirmou. “Entendo que aquilo que a iniciativa privada pode cuidar melhor do que a pública deve ser privatizado. E se alguém for contra porque tem cargo numa estatal não merece estar na política”, disse Eunício. / COLABORARAM RENAN TRUFFI, CAIO JUNQUEIRA, IGOR GADELHA, VERA ROSA e CARLA ARAÚJO