O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, reconheceu hoje publicamente que errou ao liberar da prisão o coronel aposentado Washington Vieira da Silva, condenado em novembro a 17 anos pela Justiça Federal Criminal do Rio de Janeiro por envolvimento no transporte de 33 quilos de cocaína em uma avião da Força Aérea Brasileira (FAB). Com o apoio de Marco Aurélio, o STF cassou a decisão que impedia a prisão de Silva. Marco Aurélio explicou a seus dez colegas de Supremo e à platéia que assistia à sessão plenária de julgamento de hoje que baseou-se em um precedente inexistente para conceder, em março, uma liminar garantindo a liberdade de Silva. O precedente citado por Marco Aurélio seria um julgamento de habeas corpus pedido pelo coronel e decidido no ano passado pela 2a Turma do Supremo. Relator da ação, Marco Aurélio votou favoravelmente a Silva afirmando que a prisão preventiva do coronel já tinha ultrapassado os limites previstos na legislação brasileira. Na ocasião, foi acompanhado por seus colegas de Turma. O atual presidente do STF disse que durante o julgamento na 2a Turma leu somente o resumo do voto, que tratava apenas do excesso de prazo da prisão preventiva. O motivo para não ler o voto inteiro seria economia de tempo, já que o tribunal tem milhares de processos aguardando julgamento. O problema é que, na íntegra do voto, havia também a opinião pessoal e isolada de Marco Aurélio de que o coronel somente poderia ser preso após não haver mais possibilidades de recurso contra eventuais condenações. Essa segunda opinião não foi votada pelos ministros da 2a Turma. Após a condenação de Silva, os advogados do militar recorreram ao Supremo e o então presidente, Carlos Velloso, negou liminar para impedir a prisão. Em seguida, Marco Aurélio garantiu o direito de o coronel permanecer solto. Para tanto, afirmou que a 2a Turma tinha reconhecido que Silva somente poderia ser preso após não haver mais possibilidades de recurso, o que não ocorreu. O erro de Marco Aurélio provocou fortes reações no tribunal. Nos bastidores, ministros chegaram a comentar que o vacilo poderia dar margem à abertura de um processo de impeachment contra o presidente do Supremo. Em entrevista a jornalistas, na qual não admitiu o erro, o presidente do STF disse que "todo dia decisões judiciais são reformadas". Sobre a possibilidade de impeachment, o ministro afirmou que "é especulação sem qualquer base". O episódio configurou a segunda grande crise vivida por Marco Aurélio à frente do STF. Dias antes de assumir a presidência do Supremo, no final de maio, o ministro sofreu um golpe dado por seus próprios colegas. Diante da determinação dele de proibir a manutenção de aposentados em cargos de confiança do STF, a maioria dos integrantes do tribunal aprovou uma emenda ao regimento da Casa estabelecendo que as nomeações para cargos de direção deveriam passar pelo crivo de todos os ministros. A modificação diminuiu os poderes administrativos de Marco Aurélio. Por causa de sua postura liberal e de decisões polêmicas, Marco Aurélio é temido por colegas do Supremo e por autoridades do governo. Ele foi o responsável, por exemplo, pela paralisação por quase um mês da reforma da Previdência. Durante o plantão judiciário realizado em julho do ano passado, Marco Aurélio liberou da prisão o dono do Banco Marka Salvatore Alberto Cacciola. Dias depois, a decisão foi revogada pelo então presidente, Carlos Velloso, mas Cacciola já tinha fugido para a Itália. Também no plantão de julho, Marco Aurélio manteve suspensa a privatização do Banespa. Recentemente, foi o único integrante do Supremo a concordar com o ministro Néri da Silveira, favorável à suspensão do programa de racionamento de energia. Durante o julgamento, Marco Aurélio fez duras críticas ao governo federal. Irritado, chegou a dizer que daqui a pouco os usuários poderiam ser culpados pela crise no fornecimento de energia. "Talvez por não ter atuado nas eleições como deveria", provocou.