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Presidente do CFM é criticado por associações médicas

Entidades reagem a entrevista e dizem que autonomia não autoriza tratamento contra covid com cloroquina, condenado por OMS

Por Roberta Jansen
Atualização:

RIO – Representantes das principais associações médicas do País criticaram as declarações ao Estadão do presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro. Em defesa da autonomia para prescrever o tratamento precoce contra a covid-19, Ribeiro disse que o CFM não poderia condenar o uso da cloroquina apenas com base em estudos científicos. Afirmou que é preciso considerar também a experiência dos médicos. Criticou ainda quem, declarou, fica lendo estudos “no ar condicionado” e “nunca viu um doente”. Para especialistas, a autonomia do profissional exige responsabilidade. Deve também se basear na ética, afirmaram.

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“Nós da Associação Médica Brasileira (AMB) temos uma posição muito clara, tomada no início de março deste ano”, afirmou o presidente da AMB, César Eduardo Fernandes. “Já nos posicionamos no sentido de alertar que o tratamento não fosse aplicado, com base em evidências da melhor qualidade publicadas em revistas médicas de maior impacto, como New England, Science e Lancet, que contam com uma análise de pares muito rigorosa.”

Para ele, o conceito da autonomia médica é “muito valioso”. Mas deve ser exercido “com responsabilidade e critérios”.

O presidente do Conselho Federal de Medicina,Mauro Luiz de Britto Ribeiro. Foto: Roque de Sá/Agência Senado - 27/8/2019

“A autonomia não dá cobertura para o tratamento precoce, como respaldado por grandes especialistas em ética médica”, disse Fernandes.

A AMB reúne as 54 sociedades de especialidades médicas existentes no País. Na pandemia, a associação criou um comitê extraordinário. O órgão monitora a situação da covid-19 no Brasil. Já se posicionou várias vezes contra o tratamento.

Infectologista e pesquisador da Fiocruz e do Instituto D’Or, Fernando Bozza disse que as falas de Ribeiro estão repletas de “argumentos falsos”.

“Um deles é que a ciência não sabe nada e que não há nenhum tratamento para a covid-19”, enumerou. “Ao longo desse um ano e tanto, a ciência e a medicina evoluíram enormemente, gerando melhores maneiras de tratar o paciente, novas terapias, cuidados e vacinas. O Brasil acabou ficando com uma mortalidade superior à da maior parte dos países justamente porque, em vez de adotar as melhores práticas internacionalmente recomendadas, perdeu tempo discutindo um tratamento que não funciona.”

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Outro “argumento falso”, na análise de Bozza, diz respeito à autonomia do médico.

“O médico sempre teve autonomia e continuará tendo, uma vez que é o único que pode prescrever, desde, claro, que essa autonomia não se sobreponha aos princípios éticos”, lembrou. “No caso da covid-19 o que estamos vendo é o contrário. A história da Prevent Senior mostra que os médicos estão perdendo a autonomia e sendo obrigados a usar medicamentos ineficazes.”

O infectologista lembrou ainda que não existe remédio inócuo.

“Se um medicamento não faz bem, ele faz mal, porque todos têm efeitos adversos, mesmo os que são usados há décadas”, disse. “Defender as melhores práticas é o que se espera da comunidade médica, não uma defesa simplista do direito do médico fazer o que quiser com o paciente.”

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O presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José David Urbaez Brito, se disse “atônito” com o posicionamento do CFM.

“Isso é a decomposição de tudo que forma o cerne ético, filosófico e científico da nossa profissão”, resumiu. “Um atropelamento das estruturas mais importantes a nortear o nosso ofício há pelo menos um século.” Brito frisou que tal posicionamento é antiético por ter provocado “a morte de uma infinidade de pessoas que tiveram a falsa sensação de segurança por conta de um tratamento que não deveria ter sido usado em nenhum momento”. E ainda que “os responsáveis devem ser responsabilizados”.

Para o diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Estevão Urbano, o CFM deveria defender com mais ênfase as evidências científicas.

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“No início era confuso mesmo, mas, a partir do momento em que as coisas foram ficando mais claras, acho que o CFM teria feito melhor se baseando em evidências mais robustas e não deixado as coisas tão em aberto como ficaram”, disse. “Deveria ter se posicionado conforme as evidências foram aparecendo.”

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