Políticos tentam surfar na popularidade de medalhistas olímpicos

Em tempos dominados por notícias ruins relacionadas à pandemia, governadores, prefeitos e parlamentares associam suas imagens a medalhistas em Tóquio para tentar abocanhar uma fatia do sucesso alheio

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Por Adriana Ferraz
Atualização:

A estratégia não é nova. Surfar na popularidade de atletas vencedores em Copas do Mundo e Olimpíadas já é tradição no meio político. Desta vez não é diferente. Em tempos dominados por notícias ruins relacionadas à pandemia, governadores, prefeitos e parlamentares associam suas imagens a medalhistas em Tóquio para tentar abocanhar uma fatia do sucesso alheio e, de quebra, conquistar a simpatia de parte da torcida digital. Desde que os Jogos de 2020 começaram - com um ano de atraso -, pipocam nas redes fotos e testemunhos de apoio ao esporte nacional. 

Imagem compartilhada pelo ex-presidente Lula nas redes sociais para demonstrar apoio ao time olímpico de boxe. Foto: Ricardo Stuckert

O prefeito carioca Eduardo Paes (PSD), que era o gestor da cidade nos jogos de 2016, é campeão na categoria "empolgação" com a Olimpíada. Interessado em sempre defender o legado da Rio 2016, Paes já publicou 37 tuítes sobre o tema (28% de um total de 133) desde o dia 23, quando ocorreu a abertura. 

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Em tom sempre bem-humorado, Paes procura mostrar sua "aptidão esportiva", ora andando de skate ora lebrando do dia em que "disputou" uma corrida contra Usain Bolt, a lenda do atletismo mundial que se tornou tricampeão olímpico no Rio. Também fez questão de compartilhar uma foto em que aparece próximo à ginasta Rebeca Andrade, primeira brasileira (e paulista) a conquistar medalhas olímpicas na modalidade.

Mas antes de publicar a foto, Paes apagou a imagem de Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro que já foi preso pela Operação Lava Jato e é suspeito de ter comprado votos para que o Rio fosse escolhido como sede em 2016. E virou motivo de piada nas redes, servindo de alvo para a oposição.

O governador do Rio, Cláudio Castro (PSC), não fica atrás. Político de pouca expressão nacional e baixa popularidade - assumiu o posto em 2020 com o impeachment de Wilson Witzel -, ele faz questão de cumprimentar os medalhistas e, quando possível, destacar a importância do Estado na conquista.

O sucesso de Rebeca, aliás, também é reivindicado pelos petistas, já que a atleta iniciou sua trajetória no esporte como integrante de um projeto social desenvolvido pela Prefeitura de Guarulhos, sua cidade, durante a gestão do prefeito Elói Pietá (PT).

A governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), foi além. A petista publicou um vídeo no Twitter no qual "convoca" o artista Guaraci Gabriel a fazer uma escultura para homenagear o primeiro surfista campeão olímpico Ítalo Ferreira, que é de Baía Formosa. Com o "presente", Fátima deve conseguir firmar seu nome na placa..

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De olho em 2022

Entre os possíveis presidenciáveis, passar a imagem de incentivador do esporte é estratégia unânime.  Ciro Gomes (PDT), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB) cumprimetam os vencedores pelas redes e destacam programas que já desenvolveram ou desenvolvem em prol do esporte. O ex-presidente Lula ainda posta fotos suas treinando boxe, nadando ou andando de skate.

O governador do Rio Grande do Sul não perdeu tempo e recepcionou os gaúchos medalhistas com uma homenagem no Palácio Piratini, mas não sem fazer propaganda de seu programa na área.

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Em disputa direta com Leite pela vaga de candidato ao Planalto em 2022 pelo PSDB, o governador paulista prepara também a sua festa em casa. Como mostrou nesta quinta, 5, a Coluna do Estadão, Doria homenageará os atletas paulistas ou radicados no Estado que brilham nos Jogos de Tóquio com uma comenda. O mesmo deve ocorrer nas cidades-natal dos atletas, como Guarulhos, casa de Rebeca, ou São Joaquim da Barra, onde mora o velocista Alison dos Santos.

Já o presidente Jair Bolsonaro, que ressalta sempre que pode ter histórico de atleta, tem sido mais tímido quando o assunto é a Olimpíada de Toquio. Desde que os Jogos começaram, em 23 de julho, ele só usou o Twitter para dar os parabéns aos skatistas Rayssa Leal e Kevin Hoefler, ambos medalhistas de prata; dizer que seu governo reduziu o imposto sobre importação de skate e ressaltar que é preciso "agradecer a Deus", mesmo nas derrotas.

Apesar de quase não fazer comentários sobre as competições nas redes - a prioridade de Bolsonaro, seus filhos e aliados tem sido criticar o STF e defender o voto impresso -, é esperado que o presidente receba parte dos atletas olímpicos, mesmo contra a vontade deles, como ressalta a ex-nadadora Joanna Maranhão.

Apoio afetivo

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Tem prefeito que leva a homenagem no sobrenome. É o caso de Axel Grael (PDT), de Niterói, que é irmão dos medalhistas Torben Grael e Lars Grael e tio, portanto, de Martine Grael, bicampeã olímpica na vela em Toquio. Velejador como toda a família, Axel comemora duas vezes e aproveita para divulgar o projeto municipal que incentiva a prática do esporte. 

Desde que Martine e Kahena Kunze levaram o ouro, o prefeito e tio já postou 17 tuítes para homenagear a dupla e destacar a importância da modalidade para Niterói, a família e o Brasil. 

Quem também não perde a chance de falar de Olimpíada nas redes é o senador Romário (PL-RJ). Campeão da Copa do Mundo de 1994, o parlamentar carioca criou uma série de "cards digitais" para destacar as conquistas nacionais em seus perfis. As "artes" mudam de acordo com as fotos e a modalidade, mas carregam sempre a assinatura do ex-atleta.

E no ranking dos políticos que faturam ou ao menos tentam faturar com o sucesso dos medalhistas brasileiros um deles pode se considerar vencedor deste pódio: a deputada Luiza Erundina (PSOL), que liberou a prática de skate em São Paulo assim que assumiu o cargo de prefeita, em 1989. Parece mentira, mas não é: seu antecessor, Jânio Quadros, havia proibido o esporte na cidade e liberado a Guarda Civil a quebrar skates de quem tentava furar o veto.

A prefeita de São Paulo,Luiza Erundina,anda de skate no Hospital Municipal de Campo Limpo, na zona sul da capital, 14/9/1990 Foto: Epitácio Pessoa/ Estadão

Desde que revogou a lei da censura do skate, Erundina passou a ser considerada a "madrinha" do esporte, hoje "vovó do skate". Depois das três medalhas de prata alcançadas por brasileiros nos primeiros Jogos Olímpicos da modalidade, Erundina virou "medalha de ouro", com direito a agradecimento público direto de Tóquio.

E se a moda é postar sobre esporte, o senador José Serra (PSDB) expôs uma das imagens mais marcantes de sua passagem pela Prefeitura de São Paulo. Assim como nos Jogos de 2020, no confornto com Erundina, as mulheres se saíram melhor na foto.

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