Poderes reagem à ameaça de Bolsonaro às eleições

Congresso e Judiciário criticaram os ataques ao sistema eleitoral e ofensas ao presidente do TSE; para Barroso, tentar impedir a votação é crime de responsabilidade

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Por Brasília
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BRASÍLIA - As crescentes ameaças do presidente Jair Bolsonaro à realização de eleições no País em 2022, caso o voto impresso não seja aprovado, provocaram nesta sexta-feira, 9, fortes reações no Congresso e no Judiciário. Depois que Bolsonaro subiu o tom e chamou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso, de “imbecil” e “idiota”, integrantes da cúpula dos Poderes fizeram questão de condenar publicamente a atitude, considerada golpista, e só aventada por quem é “inimigo da Nação”.

Alvo dos xingamentos, Barroso divulgou uma nota na qual destaca que a tentativa de impedir as eleições configura “crime de responsabilidade”, primeiro passo para a abertura de um processo de impeachment contra o chefe do Executivo. “A realização de eleições, na data prevista na Constituição, é pressuposto do regime democrático. Qualquer atuação no sentido de impedir a sua ocorrência viola princípios constitucionais e configura crime de responsabilidade”, diz o comunicado.

Presidente do Congresso, Pacheco disse não aceitar retrocessos à democracia. Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal

Ao Estadão, o presidente do TSE afirmou que pode assegurar a disputa de 2022. “Eu não paro para bater boca. Cumpro o meu papel pelo bem do Brasil. Mas eleição vai haver, eu garanto”, afirmou Barroso, que também integra o Supremo Tribunal Federal (STF). Mais tarde, o ministro foi às redes sociais. “Dicas da semana – Um livro: A ditadura escancarada, Elio Gaspari. Um pensamento: “Quando um homem de bem responde um insulto com outro insulto, ele permite que o mal vença. Não é preciso responder. O mal consome a si mesmo. Uma música: Cálice”, escreveu. O ministro do STF Alexandre de Moraes, que estará à frente do TSE no pleito de 2022, foi na mesma linha ao dizer que atos contra a democracia configuram “crimes comum e de responsabilidade”.

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A escalada de críticas e acusações de Bolsonaro ao sistema de urna eletrônica ocorre no pior momento do governo, que enfrenta queda de popularidade e desgaste diante das denúncias de corrupção na CPI da Covid e do descaso na condução da pandemia. Além disso, aumentam as manifestações de rua pedindo o impeachment de Bolsonaro e crescem as intenções de voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu maior adversário.

Acuado, o presidente atribui a Barroso as articulações políticas para barrar a aprovação da proposta que institui o voto impresso no Brasil. Onze partidos já se posicionaram contra a essa bandeira do governo, que será votada na próxima quinta-feira, na Câmara.

“A fraude está no TSE, para não ter dúvida”, disse o presidente, mais uma vez sem apresentar provas, em conversa com apoiadores, na entrada do Palácio da Alvorada. “Não tenho medo de eleições. Entrego a faixa para quem ganhar, no voto auditável e confiável. Mas dessa forma (no modelo atual), corremos o risco de não ter eleição no ano que vem”, insistiu. “Já está certo quem vai ser presidente ano que vem. A gente vai deixar entregar isso?”, perguntou, um dia depois de fazer ameaças. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”.

Os ataques de Bolsonaro à democracia isolam cada vez mais o governo, que tem perdido apoio até mesmo de aliados no Congresso. “Mas meu couro é grosso”, amenizou ele no fim da tarde, em Caxias do Sul (RS). Eleito presidente do Senado com o aval do Palácio do Planalto, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) se distanciou de Bolsonaro e afirmou que não aceitará retrocessos ao estado democrático de direito. Foi também uma resposta às últimas manifestações das Forças Armadas.

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“Todo aquele que pretender algum retrocesso ao Estado democrático de direito, esteja certo, será apontado pelo povo brasileiro e pela história como inimigo da Nação”, afirmou Pacheco. “As eleições são inegociáveis”.

Cortejado para se lançar candidato ao Planalto por outro partido, o PSD, apresentando-se como “terceira via”, o presidente do Senado já havia tentado dissipar tensões na véspera, quando conversou com o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e com o comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. O movimento ocorreu após uma nota em que os militares repudiavam declarações do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), para quem as investigações sobre a compra de vacinas mostram o “lado podre” das Forças Armadas.

Pacheco se surpreendeu, porém, com o tom das declarações dadas pelo comandante da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Junior, que, em entrevista ao jornal O Globo, disse que a nota das Forças Armadas foi apenas “um alerta”. “Homem armado não ameaça”, disse Baptista Junior. 

Líder do Centrão e aliado de Bolsonaro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), preferiu o silêncio, mas, nos bastidores disse que a situação é “preocupante” e trabalha para conter a crise. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), afirmou, porém, que o chefe do Executivo está “afrontando” a Constituição. “Não ter eleição em 2022 significa fechar o Congresso em 1.º de fevereiro de 2023, quando acabam nossos mandatos”, disse Ramos ao Estadão. / DANIEL WETERMAN, WESLLEY GALZO, ANNE WARTH, CAMILA TURTELLI e GUSTAVO CÔRTES