Pobres e ricos apontam desigualdades no Rio

Por Agencia Estado
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Ricos são respeitados, bonitos, têm acesso à saúde e ao luxo. Pobres sofrem com a violência, o preconceito e a discriminação. Rico é rico porque teve boa educação e emprego ou porque foi desonesto e lançou mão de corrupção e de favores de políticos. Pobre é pobre por causa da má distribuição de renda, do desemprego e da falta de oportunidades. Rico é o bispo Macedo e a Xuxa. Pobre é a "ralé", é quem anda descalço, vive de salário mínimo e depende de hospital público. É dessa forma que os moradores do Rio percebem as diferenças entre as classes sociais, segundo o último capítulo do Relatório de Desenvolvimento Humano: Percepções sobre a qualidade de vida no Rio de Janeiro, organizado pelo Ipea e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A pesquisa qualitativa foi feita com base nas conversas de encontros de 108 grupos, envolvendo 856 pessoas, em 18 bairros da cidade. Os resultados não são estatisticamente representativos, alertam os pesquisadores, mas mostram a percepção das pessoas sobre a cidade, seus moradores e suas instituições. É consenso entre os participantes da pesquisa, independentemente de classe social e do local de moradia, que as desigualdades e a violência permeiam toda a cidade. Também é consenso que, nos últimos anos, o número de ricos não se alterou, mas a classe média diminuiu e os pobres aumentaram. "De uma forma geral, o Rio não é considerada uma cidade de ricos, mas sim de grande beleza natural e desigualdade social", disse a antropóloga Regina Novaes, uma das coordenadoras da pesquisa. "Preconceito e discriminação são palavras-chave no vocabulário da cidade. São causa e conseqüência da desigualdade e exclusão." Pobreza A "má distribuição de renda" aparece na pesquisa como uma das principais causas da pobreza da cidade. "Embora seja um conceito aparentemente mais sofisticado, é citado como causa da pobreza em todos os grupos", afirmou Regina. "Ao contrário do que se pode imaginar, as pessoas lançaram mão de muitos recursos sociológicos para descrever a sociedade." O desemprego, a falta de oportunidade (educação), o preconceito, a discriminação, o alcoolismo e as drogas também foram citados como causas da pobreza. "Apenas um grupo do Itanhangá (área de classe média alta) citou a falta de crescimento econômico como responsável pela pobreza." Entre os principais efeitos da pobreza estão "a violência, a criminalidade, o preconceito, a discriminação, a falta de saúde, a fome, a prostituição e a falta de direitos e expectativas". Em contrapartida, entre as causas da riqueza, aparecem a "boa educação, o acesso ao emprego, fraude e corrupção, exploração e desonestidade, sorte (nascer em berço de ouro), proteção de políticos, ter amizade e conhecimentos". Entre os principais efeitos de ter dinheiro estão o respeito, a saúde, a proteção, o luxo, a beleza e as viagens, mas também o perigo de ser vítima de seqüestros. "Na visão das pessoas que participaram da pesquisa, ser rico é, sobretudo, ser respeitado. O pobre sofre desrespeito no ônibus, nas compras, nos shoppings, nos hospitais", analisou Regina. Mais do que reclamar da distribuição dos postos de saúde na cidade, por exemplo, as pessoas se queixam da falta de respeito e atenção dos médicos. "Existem médicos que nem te olham nem te tocam e já vão escrevendo a receita", afirmou um dos participantes da pesquisa. "Por isso, ter ou não plano de saúde é considerado um critério básico para se caracterizar ricos, remediados e pobres. Até porque, na Barra, até cachorro tem plano de saúde." O presidente das Organizações Globo, Roberto Marinho, o bispo Edir Macedo, a apresentadora Xuxa e o dono do Sendas, Arthur Sendas, foram os nomes de "ricos" mais recorrentes. "O supermercado é uma referência importante." Violência Como já era esperado, a pesquisa apontou que, na visão dos moradores da cidade, o maior problema do Rio de Janeiro é a violência. "Segundo as pessoas, a violência cresce, cruza os espaços, os sexos, as classes. A violência é a negação da qualidade de vida", apontou Regina. "Em geral, não se considera que o problema será resolvido com mais polícia. Proliferam relatos sobre o abuso e o arbítrio policial." Em toda a pesquisa, houve apenas um relato favorável à polícia. O saneamento básico, a falta de água e de drenagem também são apontados como grandes problemas da cidade, não só por moradores de favelas, mas também por pessoas da zona oeste e da zona norte. "Parece que, agora, ao contrário do que acontecia no passado, saneamento dá voto", disse Regina. Educação A educação é considerada fundamental para a melhoria da qualidade de vida da cidade e para a prevenção da criminalidade, mas é vista com reservas pelos participantes. Reclama-se muito da qualidade do ensino, da falta de professoras do número insuficiente de escolas. Para os participantes, a educação, sozinha, não é capaz de garantir um bom emprego - também apontado como problema grave da cidade. "As pessoas sabem que o desemprego não é uma questão que se resolva na cidade. Afirmam que depende da política econômica nacional, de determinantes internacionais e citaram o FMI algumas vezes", contou Regina. Mas a discriminação por aparência e local de moradia é percebida como uma grande barreira de acesso ao mercado de trabalho. "Nas lojas do Fashion Mall (shopping de classe média alta) as vendedoras têm olhos verdes. Mas eu não tenho olhos verdes, nem sou modelo. Então, não posso trabalhar lá", afirmou uma moradora da Rocinha. Institutições As instituições públicas são vistas como ineficazes nas favelas e subúrbios. Embora presentes nos bairros de renda média e alta, também nesses locais são consideradas ineficientes. "No vácuo do poder produzido pela escassa presença pública, afirma-se o poder dos agentes privados em particular do tráfico", constatou a pesquisa. Na avaliação dos moradores das favelas, viver sob o domínio do tráfico não é bom, mas, ressalvam, os traficantes asseguram distribuição de alimentos, remédios e segurança. Segundo a pesquisa, a ausência da polícia é sentida, mas sua presença é uma ameaça. "Com ladrão você ainda conversa, tenta dar um jeito, mas com a polícia não tem diálogo, se você abre a boca, toma coronhada", afirmou um morador de favela. Entre os 108 grupos, foi relatada apenas uma experiência positiva com a polícia. O tráfico aparece tanto como uma instituição de valor positivo quanto negativo. Já a polícia, surge apenas como negativa. As associações de moradores são avaliadas como positivas, razoáveis e negativas - muitas pessoas as acusam de ter ligação com o tráfico e de favorecimentos. A Igreja Católica é avaliada apenas positivamente; já as evangélicas também são vistas com instituições negativas. Na visão dos jovens moradores da favela da Rocinha, na zona sul, no topo da pirâmide social estão os traficantes ou donos do morro. São considerados de classe média alta os comerciantes e os moradores dos condomínios próximos à favela. Parte dos moradores da comunidade é apontada como de classe média baixa privilegiada porque tem "segurança garantida pelo tráfico, uma bela vista e pode fazer compras no local onde mora". Na periferia da Rocinha estão os mais pobres. Estratificação Na favela do Jacarezinho, na zona norte a sociedade é estratificada de forma diferente, na visão de seus jovens moradores. No topo estão os policiais, "que roubam de todo mundo", logo abaixo vêm os traficantes, seguidos dos comerciantes e dos pobres e carentes. Por último aparecem os viciados - "aqueles que vendem a mãe para conseguir drogas". Os moradores da favela de Acari, na zona norte, imaginaram um animal para dividir a sociedade em classes. Na cabeça, estão os traficantes, os políticos e os empresários. Na cauda, os funcionários públicos, os moradores do morro, os que vivem de salário mínimo. No corpo do animal aparece a mídia - "que não apóia ninguém e joga um contra o outro". Morar na zona sul da cidade é considerado um grande indicador de qualidade de vida, mesmo que seja na favela. "A idéia da cidade partida (favela X asfalto) é menos consensual do que a da zona sul como aspiração, realização", afirmou Regina. "Ainda assim, notamos que as pessoas têm um grande apego ao local onde moram e é consenso geral que a cidade é vista como um presente da natureza e sua beleza é de todos."

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