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‘PM errou ao não barrar manifestações a favor de Bolsonaro logo no começo’, diz sociólogo

Para presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, casos como o do coronel Aleksander Lacerda deveriam ser monitorados; ‘Se tivesse liberado um alerta, talvez isso não tivesse acontecido’, diz

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Por Adriana Ferraz
Atualização:

As manifestações políticas a favor do presidente Jair Bolsonaro praticadas nas redes sociais pelo coronel da ativa Aleksander Lacerda são graves, mas não surpreendentes, segundo avaliação do diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Para o sociólogo, o processo de cooptação e mobilização das tropas em nome do projeto político e ideológico de Bolsonaro já não ocorre mais de forma invisível. “Estamos numa fase de radicalização”, diz.

O que surpreendeu o pesquisador foi o fato de o comando da Polícia Militar em São Paulo não ter conhecimento do comportamento público de Lacerda. “A Polícia de São Paulo errou ao não monitorar e barrar logo no começo. Se o comando tivesse sido mais atento, tivesse usado de mais inteligência, liberado um alerta, talvez isso não tivesse acontecido”, afirma Lima.

O sociólogo e diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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De acordo com reportagem publicada nesta segunda, 23, pelo Estadão, Lacerda divulgou 397 posts com conteúdo político apenas entre 1º e 22 de agosto. Além de convocar “amigos” para o ato pró-governo do dia 7 de Setembro, o coronel usa as redes para criticar o governador João Doria (PSDB) e outros políticos considerados de oposição, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele também costuma fazer ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Comandante de sete batalhões no interior, ele foi afastado da função e responde agora por processo disciplinar. 

As manifestações políticas do coronel Aleksander Lacerda, agora ex-chefe do Comando de Policiamento do Interior-7, reveladas pelo Estadão nesta segunda, comprovam publicamente a contaminação dos quartéis pelo bolsonarismo? 

É muito grave esse fato. Desde que Bolsonaro tomou posse como presidente da República que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública vem alertando para um processo, que antes ocorria de forma invisível, de cooptação e mobilização das tropas em nome de um projeto político e ideológico. Agora estamos numa fase de radicalização desse processo. Segundo pesquisa do fórum, se somarmos as polícias civil, militar e federal, 12% dos policiais interagem em ambientes bolsonaristas. O coronel Aleksander Lacerda é um deles. Ele não foi pioneiro entre os oficiais, mas, em São Paulo, não tínhamos tido uma manifestação tão explícita.

O comando da polícia paulista falhou em não perceber e monitorar o comportamento do coronel Lacerda?

A Polícia de São Paulo errou ao não monitorar e barrar logo no começo. Se o comando tivesse sido mais atento, tivesse usado de mais inteligência, liberado um alerta, talvez isso não tivesse acontecido. Era só falar: coronel, não pode, tira. O discurso do Bolsonaro dá certo justamente porque tem plano de contingência. 

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Ao mesmo tempo, a decisão de afastar o coronel de sua função de comandante foi acertada?

Sim, ele perdeu o comando, era o que neste momento poderia ocorrer. Ele vai ser colocado agora à disposição do comando-geral e pode ir depois para a reserva ou ser alocado em outra função. Agora, é bom deixar claro que ele não foi demitido, isso nem poderia acontecer. O gesto de perder o comando é corretíssimo, já que o posto que ele tinha é político-estratégico e para exercê-lo é preciso estar alinhado ao comando central. Agora, como um comandante se manifestava dessa forma, sem qualquer tipo de constrangimento, em uma rede social e sem o conhecimento do comando, inclusive por parte do governador e do secretário de Segurança Pública? 

Que punição agora ele deve ter?

É importante que ele tenha amplo direito de defesa e um processo administrativo aberto para se saber se o que ele fez infringiu alguma norma ou se na verdade ele aproveitou as brechas existentes. Se ele aproveitou as brechas existentes e não há vedação, a responsabilidade é política do governador e da Secretaria de Segurança de não ter pensado que era importante, neste momento de radicalização, ter normas claras. Agora, deve-se revisar os protocolos e as formas de monitoramento.

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O fato de o general Eduardo Pazuello não ter sido punido pelo Exército após participar de ato político ao lado de Bolsonaro tem influência?

O caso Pazuello abriu a porteira. Era muito importante ter punido essa ação dele. Se um general não é punido, por que um coronel será? E se o general pode falar por que os demais também não podem? E o coronel Aleksander não está postando desde ontem, anteontem, mas há muito tempo, a matéria mostra isso. Não houve monitoramento. As instituições estão falhando, não percebem que determinados assuntos podem se transformar em coisas muito mais graves.

O caso de Lacerda não é pioneiro, mas é simbólico?

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Os oficiais não estão mais vendo problemas em se posicionar dessa forma. O episódio do coronel Aleksander é muito grave porque mostrou que uma das policiais mais disciplinadas do País, a de São Paulo – com investimento histórico na construção de uma imagem de polícia apartidária, de polícia de Estado e não de governo –, não está imune ao processo de radicalização. Mostra ainda que o grau de cooptação está bem avançado.

Como se dá essa cooptação?

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Ela ocorre desde o começo do governo, de forma lenta, gradual e eficiente. Bolsonaro já foi a diversas formaturas de policiais, integrantes das Forças Armadas, tentando se mostrar simpático, gente como a gente, um líder que não só tem o comando supremo das Forças, mas é aquele que olha pra gente. Um dos problemas dos policiais – temos mais de 650 mil na ativa – é que muitas vezes eles se sentem abandonados à sua própria sorte. Nessa cooptação ideológica, o próprio Olavo de Carvalho franqueou acesso a seus cursos de forma gratuita a policiais. 

É uma estratégia institucionalizada do governo?

O governo é muito mais eficiente em sua estratégia de ocupação de espaços do que a gente imagina. Bolsonaro assedia as forças de segurança brasileiras com um discurso que não é legítimo e que incentiva a ruptura. O que ele quer é ter os policiais como soldados armados, guardas pretorianos à sua disposição. E não só estamos perdendo o controle, como estamos deixando os policiais se sentindo à vontade para exercerem seu ‘direito de expressão’. Ser da ‘ativa’ não é mais considerado um freio, um obstáculo intransponível.

O senhor vê risco de uma eventual tentativa de golpe por parte de Bolsonaro com o apoio das forças de segurança?

O golpe já está em curso. Tudo isso (essa cooptação) faz parte. Qual o grande objetivo do ato convocado para o dia 7 de Setembro? Mostrar força, sim, mas isso depende de várias variáveis, como ter gente na rua. Mas há outro objetivo não declarado, que é provocar confronto. Ainda mais se gerar um saque ou uma depredação em grandes proporções. Isso vai fazer com que ele (Bolsonaro) se sinta à vontade para “dentro das quatro linhas da Constituição”, como ele diz, declarar estado de sítio.

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Que resposta a sociedade deve dar?

Não existe uma coisa só a ser feita. Mas um conjunto delas. É preciso reunir universidades, grupos organizados da sociedade civil, imprensa. É preciso mostrar que o golpe não tem adesão na grande maioria da população. Os governadores têm de unir, é bom que isso aconteça, mas também perceber que, a médio prazo, precisam oferecer alternativas reais às estruturas oferecidas hoje aos policiais. E não se trata apenas de salário, mas de plano de carreira e condições de vida e de trabalho. Há de se acabar com essa ideia de que os policiais são abandonados por todos e abençoados por Bolsonaro. E o Judiciário, claro, deve ser o grande obstáculo ao rompimento – e tem sido, há de se dar o destaque. O Judiciário não pode permitir com que a interpretação alargada de que as decisões do governo Bolsonaro ou o comportamento dos policiais são em nome da liberdade de expressão. O que temos visto são ameaças antidemocráticas e assim elas têm de ser nomeadas. Não podemos ter medo de dizer o que cada coisa representa. Se ficarmos com esse medo hoje podemos chegar ao 7 de Setembro com a confirmação de que já vivemos um regime de exceção. As ameaças estão postas e há muito tempo.

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