Após impasse com PM, índios movem ocupação e barram entrada de terreno no Jaraguá

Construção de moradias destinadas ao MCMV está ao lado de aldeia; indígenas seguem impedindo entrada de construtora na área

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Por Túlio Kruse
Atualização:

Após cerca de nove horas de negociação, índios guarani entraram em acordo com a Polícia Militar nesta terça-feira, 10, e moveram um acampamento que ocupava uma área ao lado da terra indígena Jaraguá, na zona noroeste de São Paulo. Eles se retiraram do interior do terreno por volta das 15h e armaram suas barracas na entrada do local. 

A Tropa de Choque da PM passou a manhã em frente ao local, que pertence à construtora Tenda, para cumprir uma ordem de reintegração de posse. Os indígenas acampavam ali desde 30 de janeiro, em protesto contra a construção de um conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida a menos de 500 metros de duas aldeias da terra indígena Jaraguá. 

Indígenas da etnia Guarani Mbya ocupam terreno em que construtora Tenda pretende construir conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida. Foto: Felipe Rau/ Estadão

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Segundo lideranças indígenas, o acordo envolve a manutenção de uma viatura da PM no local para garantir que o terreno não seja invadido novamente. O acampamento dos guarani na área externa tem a intenção de barrar a entrada de representantes da construtora Tenda e impedir a possível derrubada de árvores no local. 

“O termo de reintegração de posse faz referência apenas à área interna, e os indígenas entenderam que ocupar a parte externa garante a proteção do terreno também”, diz a advogada Gabriela Pires, representante legal dos guaranis. “A polícia já retirou as tropas do local, enquanto o povo da guarani também está retirando as barracas do interior do terreno”, ela disse por volta das 15h.  Uma decisão da juíza Tatiana Pattaro Pereira, da 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, que suspende qualquer manejo de vegetação no local. A Justiça Federal também determina que o Ibama e a Fundação Nacional do Índio (Funai) deem seus pareceres sobre um projeto a ser apresentado pela construtora até o próximo sábado, 14. 

Polícia Militar acompanha reintegração de posse em área próxima à comunidade guarani Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo. Foto: Felipe Rau/ Estadão

Apesar da decisão na esfera federal, a reintegração de posse foi marcada para esta terça por determinação da juíza Maria Claudia Bedotti, da 4.ª Vara Cível do Foro Regional da Lapa. Na manhã desta terça, 10, vereadores da oposição na Câmara Municipal tentavam protelar o cumprimento da ordem judicial. 

A PM levou ao local 155 policiais, um drone e 15 veículos de apoio. Segundo a corporação, cerca de 300 pessoas ocupavam a entrada do terreno. A presença de crianças e idosos entre os indígenas foi um dos fatores que preveniu o avanço da tropa, de acordo com o comandante. 

“Verificamos que o número de índios era muito maior do que, inclusive, constava no próprio mandado de reintegração de posse, inclusive com crianças mulheres e idosos”, disse o coronel Alexandre Bento, em um vídeo divulgado pela corporação. “Nós preferimos iniciar uma conversa, uma mediação com a liderança local.”

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O empreendimento aprovado pela Prefeitura prevê a construção de 11 torres que devem abrigar um total de 880 apartamentos. A construção está a menos de 500 metros de duas aldeias do Jaraguá, que é a menor terra indígena já homologada no Brasil. 

“Não dá para ter esse empreendimento aqui, porque existe um impacto muito grande que coloca um risco para nós”, diz o líder indígena Thiago Henrique Karai Djekupe, de 26 anos. A comunidade defende a criação de um parque ecológico no local. “O que nós estamos exigindo é que seja feito o estudo de impacto sócio-ambiental, com componente indígena. Eu tenho certeza que o estudo vai provar que o empreendimento não é viável.” 

Indígenas e manifestantes protestam contra impacto ambiental da obra, que deve erguer 880 apartamentos a menos de 500 metros de duas aldeias do Jaraguá. Foto: Felipe Rau/ Estadão

Em nota, a construtora Tenda disse que “tem participado de todas as audiências de conciliação com as partes envolvidas e segue aberta ao diálogo com a comunidade indígena e autoridades para o encontro de uma solução ao impasse político e sócio ambiental”. A empresa afirma, ainda que tem “todos os documentos necessários” para dar início às obras e que acatou a delisão da Justiça Federal de paralisação das obras até 6 de maio, data da nova audiência pública para tratar do tema.

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“No entanto, ontem (9 de março), antes de uma audiência pública sobre o caso na Câmara de Vereadores de São Paulo, a sede da Tenda na região central da cidade de São Paulo foi invadida e depredada por líderes indígenas armados que mantiveram funcionários sob ameaça de arcos e flechas, como uma forma de intimidação às vésperas da reintegração de posse do terreno, determinada pelo Tribunal de Justiça do Estado”, diz a empresa. “A companhia respeita os questionamentos dos indígenas, que são antigos e vão além da questão ambiental, mas repudia qualquer ação de insegurança e violência para a solução de conflitos.”

Negociação

Indígenas protestam contra a construção de empreendimento imobiliário no Jaraguá, na Zona Norte de São Paulo. Foto: Felipe Rau/ Estadão

Vereadores da oposição, que acompanhavam a ação da polícia no Jaraguá durante a manhã, marcaram uma reunião de emergência com representantes da Prefeitura. Gilberto Natalini (PV), Eduardo Suplicy (PT) e Eliseu Gabriel (PSB) deixaram o Jaraguá por volta de 12h em direção ao centro da capital, e foram recebidos pelo secretário adjunto da Casa Civil, Alcides Fagotti Junior. A intenção era adiar o cumprimento da reintegração, o que, com o acordo entre índios e PM, não foi necessário. 

“Nós vamos pedir para que ele possa colocar o secretário de Justiça (Rubens Rizek Jr.) na conversa e negociar uma trégua. Lá tem muita criança, tem idosos, nós não queremos que tenha violência nessa ação”, disse Natalini. / COLABOROU PAULA FELIX

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