Planalto se considera "traído" por Bezerra

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Por Agencia Estado
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O presidente Fernando Henrique Cardoso ficou indignado com a renúncia do ex-ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra. O gesto surpreendeu e atropelou o Palácio do Planalto, cuja estratégia era dar ao ministro amplo espaço para defesa antes de decidir sua eventual demissão. Esse foi o tom da conversa entre o ministro e o presidente nesta terça-feira pela manhã, no Palácio da Alvorada, presenciada pelo ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, e pelo secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira. ?Todos se sentiram enganados?, resumiu um colaborador próximo ao presidente. ?Ele agiu com absoluta independência e isso foi um sinal terrível.? A surpresa preparada por Bezerra foi entendida como um gesto de deslealdade ao governo e ao presidente. Por essa avaliação, o ministro teria abusado da confiança de Fernando Henrique para dar um troco ao PMDB que, além de não apoiá-lo na disputa regional pela candidatura ao governo do Rio Grande do Norte ? seu reduto eleitoral ? o abandonou no momento mais difícil de sua passagem pela Esplanada dos Ministérios. ?Ele agiu em benefício próprio?, disse um ministro do círculo mais íntimo do presidente. ?O governo contemporizou, e ele virou a mesa?. Nesta terça-feira, após mais de uma hora de conversa na residência oficial, o presidente se considerava satisfeito com as explicações oferecidas pelo ministro e concordara em dar-lhe tempo para defender-se das acusações de se ter beneficiado de financiamento da Sudene. Durante o encontro, o político apresentou a Fernando Henrique os documentos com que pretende livrar-se da suspeita de ter desviado dinheiro público e deixou claro que não pretendia sair do cargo pela porta dos fundos, com a pecha de corrupto. Convencido de que o ministro poderia ser inocentado em uma sindicância interna, o presidente pediu a ele que enviasse os documentos à Corregedoria-Geral da União e que esperasse a conclusão do processo. Bezerra deixou o Alvorada no comando do ministério. A expectativa era que a ministra Anadyr de Mendonça Rodrigues se pronunciasse em no máximo 15 dias, tempo suficiente para Bezerra reverter sua imagem junto a opinião pública. ?Havia uma esperança de que ele pudesse ficar?, admitiu um colaborador. Ainda para justificar o adiamento da demissão, o presidente decidira remeter o caso ao Conselho de Ética da Administração Pública, órgão criado para fiscalizar a conduta ética e moral do primeiro escalão do governo. Também por esta manobra, Fernando Bezerra teria ao menos 10 dias para defender-se, ainda no comando do ministério. Pouco mais de uma hora depois do acerto no Alvorada, a notícia da renúncia de Bezerra sacudiu o Planalto, já no início da tarde. Aloysio Nunes assistia à entrevista do então colega pela televisão em seu gabinete e, surpreso, interrompeu brevemente a reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) para avisar Pedro Parente da reviravolta. ?Essa renúncia não estava no script?, admitiu um assessor do presidente. ?Todo mundo enlouqueceu.? O discurso do ministro aumentou a indignação no Planalto. Segundo um colaborador próximo, Fernando Bezerra, com a renúncia, azedou ainda mais suas relações com o presidente. Fernando Henrique já se havia irritado por ter sido surpreendido pela denúncia do suposto envolvimento do ministro em fraudes junto à Sudene. Ele chegou a reclamar do silêncio de Bezerra, que não o alertou sobre a eclosão do escândalo mesmo depois de ter tomado conhecimento de que uma reportagem seria publicada. Foi por este motivo que o presidente se recusou a receber Bezerra na noite de segunda-feira, quando o ministro pretendia explicar-se. Nesta terça-feira, Fernando Henrique ficou ainda mais irritado com a informação de que o ministro ainda ocupava residência mantida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), entidade de cuja presidência licenciou-se para assumir o ministério. ?O clima está muito pesado?, dizia um ministro antes de encontrar-se com Fernando Henrique pela manhã. Nas primeiras horas desta terça-feira, colaboradores do primeiro escalão do governo davam como certa a demissão de Fernando Bezerra e associavam sua permanência no cargo à repercussão de suas explicações junto a opinião pública. Embora enxergassem dificuldades para a sua manutenção no posto, esses assessores não descartavam o poder de convencimento do ministro. Se o caso de Fernando Bezerra tivesse sido levado ao Conselho de Ética da Administração Pública, com certeza o ministro seria punido. O presidente do órgão, João Piquet Carneiro, afirmou que Bezerra poderia ser enquadrado no artigo 7º do Código de Ética da Alta Administração Pública por ter aceito morar em uma casa cedida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), entidade privada que presidia antes de assumir o ministério. Segundo ele, essa infração seria punida com a demissão. A ministra Anadyr de Mendonça Rodrigues deu a Fernando Bezerra um prazo de 10 dias para esclarecer seu envolvimento em fraudes junto à Sudene, mas a saída do ministro não freará o processo aberto pela corregedoria. Caso conclua que Fernando Bezerra lesou os cofres públicos, a corregedora poderá acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) e pedir o ressarcimento dos cofres públicos.

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