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Pessoal e intransferível

Por Dora Kramer e dora.kramer@grupoestado.com.br
Atualização:

Tempo de se organizar para enfrentar em 2010 sua primeira eleição presidencial sem Luiz Inácio da Silva como candidato o PT tem de sobra. O que ainda falta ao partido para conseguir fazê-lo a contento é fio terra. Pé no chão, bom senso, noção da realidade. Agora, tudo também depende de quais são os planos do partido. Se for "pular" um mandato apostando no fim da reeleição e na capacidade de Lula de construir como líder da oposição a retomada depois desse interregno, pode continuar acreditando que foi tudo bem na eleição municipal. Pode também continuar se achando um sucesso absoluto porque o governo federal saiu incólume de ataques, o presidente manteve sua popularidade intocada, os partidos governistas - com destaque para o PMDB - elegeram o maior número de prefeitos, ganharam as grandes capitais, a oposição esteve fidalga como nunca e a vitória do PSDB em São Paulo não passa de um mero detalhe. Mas, se a idéia for entrar na disputa para valer, competir e ganhar, o partido vai precisar avaliar o cenário com algum realismo. Começando por dar o devido peso e atenção aos relatos feitos na sexta-feira, primeiro dia do encontro do Diretório Nacional, sobre o sentimento anti-PT detectado no eleitorado durante a última campanha. Mais do que qualquer porcentual ou fabulação mental para manter elevado o moral da tropa, esse foi o dado crucial que apareceu no encontro para nortear o PT em sua estratégia para 2010. Fornece ao partido a explicação para derrotas inesperadas, para a frustração de expectativas baseadas na falsa premissa de que a popularidade do presidente Lula poderia se transferir automaticamente para os candidatos vistos como seus preferidos. Se há anti-petismo constatado pelo próprio partido e, ao mesmo tempo, Lula continua popular, o governo não foi alvo senão de elogios por parte dos adversários e a coalizão partidária permanece firme, a conclusão é óbvia: todo esse patrimônio é de uso exclusivo do presidente. Sendo pessoal e, como recentemente demonstrado, intransferível, as derrotas sofridas devem ser creditadas diretamente aos candidatos, bem como devem ser conferidos a eles os méritos pelas vitórias obtidas. Isso não quer dizer que a presença de Lula na luta não terá influência ou que o PT ficará totalmente apartado da figura do presidente na visão do eleitor. Mas significa que o partido não herda por gravidade esse legado. Faz escuro Dois meses e uma semana depois do afastamento da diretoria da Agência Brasileira de Inteligência para "facilitar o esclarecimento" da origem da profusão em Brasília de escutas ilegais, inclusive no telefone do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, o balanço não é favorável à transparência. A Polícia Federal prorrogou por mais 30 dias o prazo para o fim do inquérito, em conseqüência foi prorrogada também a suspensão do diretor da Abin, Paulo Lacerda. Nesse meio tempo explodiu um sério embate público entre autoridades do aparato de segurança federal que se estendeu ao Poder Judiciário, onde o ambiente tampouco é de convergência. O conflito entre autoridades havia arrefecido na campanha eleitoral, mas recrudesceu na última semana e dá sinais de que prosseguirá à deriva. Levantam-se suspeições de toda sorte, quebram-se hierarquias nas mais firmes estruturas, trocam-se acusações escabrosas, a cada desdobramento da Operação Satiagraha se reforça a impressão de que os negócios do ex-banqueiro Daniel Dantas se confundem com comprometimentos de poderosos de todos os matizes governamentais, institucionais e partidários. A malha é absolutamente intrincada e vai ficando mais e mais nebulosa. Se há dois meses se falava no temor de que o Estado brasileiro se tornasse um monumental e clandestino vigilante, hoje já não se fala mais coisa com coisa. Haveria uma impressão de bagunça se não fosse esta uma conclusão muito singela. Delegado de polícia investigado pela polícia, que dá batida na agência de inteligência da presidência da República, que põe sob suspeita seu serviço de inteligência, que trabalha clandestinamente para a polícia, que afronta a Corte Suprema, que bate-boca com juiz e diz que o Brasil está virando uma grande anarquia, tudo isso reflete uma situação muito esquisita, impossível de ser atribuída à pura e simples desorganização. Prioridade Do governador José Serra não se ouvirá nada de mais animoso em relação ao governo Lula enquanto não for concluída a venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil. Por conseqüência, nada é nem será dito (ou feito) contra a MP 443, que autoriza a transação. Até a conclusão do negócio, a palavra de ordem no Palácio dos Bandeirantes é não "criar atrito com esse pessoal".

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