'Pena repara uma parte da nossa dor', diz irmão de Celso Daniel

Em entrevista ao 'Estado', Bruno Daniel afirma que sentença 'significa mais um grande passo que permite que continuemos a acreditar que lutar vale a pena'

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Por Fausto Macedo
Atualização:

SÃO PAULO - Bruno Daniel, cidadão brasileiro a quem a França outorgou o título de refugiado porque reconheceu que sua vida aqui corre riscos, disse que a condenação de um dos assassinos de seu irmão Celso Daniel - prefeito do PT de Santo André executado à bala em janeiro de 2002 - repara uma parte da dor que persegue a família. "Significa mais um grande passo que permite que continuemos a acreditar que lutar vale a pena", ele diz.

 

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Marcos Roberto Bispo dos Santos foi condenado a 18 anos de prisão por um júri popular na quinta-feira, 18. A promotoria o acusa de ter participado da ação de arrebatamento de Celso e sua remoção para dois cativeiros. Bispo está foragido. O Ministério Público o classifica de "bandido perigoso".

 

Incomoda Bruno Daniel e os seus o fato de que outros seis acusados - entre eles o empresário Sérgio Gomes, o Sombra, apontado como mandante do crime - ainda estão longe de prestar contas à Justiça. Se é que um dia isso vai acontecer, porque todos eles recorreram da sentença que os mandou para o banco dos réus.

 

Também indignam o exilado as muitas ações judiciais que envolvem antigos colaboradores e aliados da administração do irmão em atos de desonra, corrupção e improbidade. O Ministério Público se desdobra, insiste, questiona, cobra medidas cautelares, mas as ações se arrastam na Justiça congestionada.

 

Por e-mail, de algum lugar do País que o acolheu, Bruno Daniel, 56 anos, professor, relata suas expectativas, esperanças, medos e aflições. Ele escreve também sobre um partido, o PT, que a eles virou as costas no momento mais dramático.

 

Assusta-o o fato de Marcos Roberto Bispo dos Santos estar foragido?

O que mais nos assusta é que os esquemas que levaram à morte de meu irmão e a nosso exílio continuam como sempre. O que quer dizer que não temos nenhuma segurança de poder viver tranquilos no Brasil.

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Esperava que o PT tomasse alguma medida com relação à morte de seu irmão?

Sem nenhuma dúvida. Mantivemos conversações com pessoas do PT durante todo o ano de 2002, após a morte do Celso, porque acreditávamos nessa possibilidade. Mas fomos ingênuos. Só contamos com ações isoladas de alguns petistas, dentre eles dr. Hélio Bicudo, então vice-prefeito de São Paulo, do então vereador pelo PT de Santo André, Ricardo Alvarez, e do senador Eduardo Suplicy.

 

O PT abandonou a família?

Não se trata de abandono. Trata-se da explicitação de uma maneira de fazer política da qual discordamos radicalmente.

 

A pena imposta a Bispo dos Santos de alguma forma repara a dor por vocês sofrida nesses anos todos?

Repara uma parte de nossa dor. Ela significa mais um grande passo que permite que continuemos a acreditar que lutar vale a pena para que se encontre a verdade sobre o assassinato de meu irmão e se faça justiça condenando aqueles que o sequestraram, torturaram, assassinaram e encomendaram o crime. Tal pena refere-se a apenas um dos acusados e que se encontra foragido.

 

O que o preocupa agora?

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Temos que continuar vigilantes em relação à demanda do dr. Podval (Roberto Podval, advogado de defesa de Sérgio Gomes), ao Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade do poder de investigação do Ministério Publico. Se tal demanda for aceita, estaremos diante de um grande retrocesso institucional. Não só as provas colhidas pelo Ministério Público no caso de Celso poderão ser invalidadas, como as de todos aqueles que dependem de suas investigações.

 

Por que os processos sobre corrupção não chegam ao fim?

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Temos que acompanhar a eventual demora do julgamento dos demais indiciados e recursos de seus advogados a outras instâncias, que podem levar esse tipo de decisão a demandarem muito mais tempo para se tornarem efetivas. Resta verificar o andamento dos processos em que Sérgio Gomes e muitos outros estão indiciados por corrupção nos negócios públicos de Santo André, elemento que pode estar articulado à morte de Celso. Seu desvelamento e punição aos culpados pode abrir caminho para aperfeiçoamentos institucionais também nesse campo.

 

Como vê o fato de até hoje nenhuma ação sobre corrupção e desvios na administração municipal de Santo André ter chegado a uma solução?

É mais uma mostra de que reformas profundas nas instituições brasileiras precisam ser feitas. Creio que ainda temos que fazer as duas coisas: vigiar e cobrar para que esses processos caminhem, mas também apontar o que deve ser mudado, para que coisas como essa deixem de acontecer.

 

Considera que a Justiça demorou demais para a primeira sentença criminal?

Não há a menor duvida, fato inclusive reconhecido pelo juiz (Antônio Galvão França)de Itapecerica da Serra, segundo notícias da imprensa. Sua posição tem sido de uma firmeza ímpar. Isso não nos impede de perceber que o sistema judiciário brasileiro precisa de reformas profundas. Tal demora significa impunidade a criminosos.

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Por que é assim?

Podemos nos perguntar por que o STF concedeu habeas corpus bastante tempo depois do prazo legal dentro do qual Bispo dos Santos deveria ser julgado, soltando-o da prisão, ele que é réu confesso, e apenas a uma semana da decisão do juiz de Itapecerica de levar o caso a júri popular, o que o manteria onde estava? Como aceitar que testemunhas de defesa não eram encontradas para depor, quando tinham domicilio fixo, trabalho regular, cotidiano definido? Como aceitar que o julgamento do então deputado pelo PT, Donisete Braga, cujo celular foi rastreado na região onde meu irmão provavelmente se encontrava sequestrado, ainda em vida, possa ter ocorrido em foro especial? Como aceitar que meu afilhado de casamento, Marcio Chaves Pires (eleito prefeito pelo PT na cidade de Mauá), tenha fornecido álibi ao referido deputado, tendo inicialmente dado depoimento em contrário no Ministério Público e à minha família e depois o altere sem ser condenado por perjúrio?

 

Acredita que a condenação de Bispo dos Santos poderá abrir caminho para outras condenações, inclusive de Sérgio Sombra?

Esta é nossa esperança. Como analisamos tanto o vergonhoso inquérito do Departamento de Homicídios como as excelentes investigações do Ministério Público, que provam que o crime foi encomendado, sabemos que um júri popular, com as mesmas informações de que dispomos, muito provavelmente formará as mesmas convicções que temos, levando às necessárias punições. Acreditamos que em júri popular novos fatos possam surgir, implicando mais pessoas no assassinato de meu irmão. Não podemos acusar ninguém, mas supomos que Sérgio Gomes não agia sozinho.

 

Há quanto tempo a família exilou-se na França?

Estamos na França desde março de 2006. No final desse mesmo ano o Estado Francês nos outorgou o titulo de refúgio, reconhecendo o perigo que nossas vidas corriam no Brasil, aliás também reconhecido pela policia estadual paulista, que nos forneceu equipes de segurança a partir do segundo semestre de 2005, quando depusemos na CPI dos Bingos.

 

Que atividade exercem?

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A maior parte das atividades que minha esposa e eu temos tido é no campo do ensino, da pesquisa e consultorias relacionadas com nosso passado profissional no Brasil. No entanto, nunca conseguimos nada regular. Tudo o que conseguimos foi obra de amigos brasileiros e daqui da França, sempre solidários e atentos à situação de precariedade em que nos encontramos. Meus filhos estão na universidade, mas já trabalharam em restaurante universitário, em hotel aos finais de semana, ou cuidando de crianças.

 

Como é a rotina da família na França?

Não temos rotina definida, dado que não temos nem trabalho e nem moradia regulares. Já estamos no quinto endereço diferente e um de nós já teve nesses últimos 4 anos mais de 15 pequenos contratos por prazo determinado.

 

É possível que a família retorne ao Brasil diante do primeiro revés imposto à quadrilha que matou Celso?

Consideramos que os mecanismos que levaram à morte de meu irmão e a nosso exílio continuam no mesmo lugar. Isto significa que, se retornarmos, teremos muito medo de voltar a sofrer perseguições, intimidações, ameaças, como as que vivemos antes de nossa partida e, desta vez, sua concretização, como ocorreu com tantos que amavam o Brasil, como Chico Mendes, Zuzu Angel ou a irmã Dorothy Stang. Portanto, essa não é uma decisão tranquila a ser tomada.

 

Quando e como surgiram as ameaças à família? Quando foi tomada a decisão do exílio?

As intimidações e perseguições começaram antes das ameaças. Estas começaram após nossos depoimentos, de meu irmão mais velho, João Francisco Daniel, e o meu à CPI dos Bingos, em 2005, e se intensificaram após a morte do médico legista Carlos Del Monte Printes, que declarou à mesma CPI que Celso foi torturado e que isto era elemento que permitia descartar a hipótese de crime comum. Quando as ameaças se dirigiram a nossos filhos, no fim de 2005, decidimos sair do pais.

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As autoridades brasileiras não são confiáveis?

Temos uma institucionalidade que leva a que muitas autoridades ajam fora de preceitos legais. Nossa legislação precisaria melhorar muito. Para ficar em apenas um exemplo, apesar de nossa Constituição afirmar o principio da independência entre os poderes, isto só ocorre muito parcialmente. Portanto, abre-se espaço para que quem está no poder, principalmente no Executivo, mas não só, atue fora da lei. O assassinato de meu irmão é emblemático no sentido de mostrar as fragilidades de nossa democracia. Mas, por outro lado, o mesmo caso mostra um juiz firme e um Ministério Público muito sério, o que quer dizer que temos que pressionar para que as autoridades cumpram com seus deveres e também atuem no sentido de alterar o marco em que os poderes atuam.

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