‘Peço desculpas’, diz Eduardo Bolsonaro após reações sobre o AI-5

Em entrevista à TV, o deputado federal filho do presidente disse que a possibilidade de um novo ato “não existe”

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Por Redação
Atualização:

BRASÍLIA - O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) provocou nesta quinta-feira, 31, um terremoto político ao defender medidas drásticas, como “um novo AI-5”, para conter uma eventual “radicalização” da esquerda, puxada por protestos contra o governo, a exemplo das manifestações ocorridas no Chile. A menção ao Ato Institucional n.º 5, o mais duro conjunto de leis instituído pela ditadura militar, em 1968, causou forte reação nos três Poderes, a ponto de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dizer que a apologia à ditadura era passível de punição. Horas depois, o presidente Jair Bolsonaro, pai de Eduardo, desautorizou o filho, sob o argumento de que quem fala em AI-5 só pode estar “sonhando”. 

No fim do dia, o “zero três” de Bolsonaro pediu desculpas. “Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou o governo, de alguma maneira –mesmo eu não fazendo parte do governo – está estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei. Eu apenas citei o AI-5. Não falei que ele estaria retornando”, disse, em entrevista por telefone à TV Bandeirantes

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Foto: Gabriela Biló/Estadão

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O estrago já estava feito. Em nota, Maia classificou as declarações de Eduardo como “repugnantes”. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello disse que “estão solapando a democracia” e a oposição entrou com uma ação na Corte para investigar o deputado, além de anunciar que vai pedir a cassação do seu mandato no Conselho de Ética da Câmara. Diante desse cenário, o recuo de Eduardo virou uma estratégia para segurar a escalada da crise e retaliações no Congresso. 

Além de ouvir a ala militar do governo, Bolsonaro foi alertado pela equipe econômica de que o acirramento dos ânimos poderia prejudicar votações de interesse do Palácio do Planalto, como a reforma administrativa. A partir daí ficou combinado que Eduardo, líder da bancada do PSL, faria uma retratação pública. 

A polêmica declaração do deputado foi publicada nesta quinta no canal da jornalista Leda Nagle no YouTube. A entrevista, porém, ocorreu na segunda-feira, no mesmo dia em que Bolsonaro compartilhou um vídeo nas redes sociais no qual se comparou a um leão atacado por hienas, entre elas o Supremo, o PSL, partidos de oposição, como o PT, e a imprensa. 

“Tudo é culpa do Bolsonaro, percebeu? Fogo na Amazônia, que sempre ocorre – eu já morei lá em Rondônia, sei como é que é, sempre ocorre nessa estação –, culpa do Bolsonaro. Óleo no Nordeste, culpa do Bolsonaro. Daqui a pouco vai passar esse óleo, tudo vai ficar limpo e aí vai vir uma outra coisa, qualquer coisa – culpa do Bolsonaro”, disse Eduardo na entrevista. “Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada.” 

A afirmação sobre o AI-5 foi feita após uma pergunta sobre a participação do “Foro de São Paulo”, conhecido evento de esquerda, nas manifestações de rua no Chile. Editado em 13 de dezembro de 1968 pelo general Artur da Costa e Silva, presidente do regime autoritário implantado com o golpe de 1964, o AI-5 revogou direitos, suspendeu garantias constitucionais e delegou ao chefe do Executivo o poder de cassar mandatos parlamentares e intervir nos municípios e nos Estados. Já a resposta italiana citada por Eduardo ocorreu durante o fascismo, em 1929, quando as eleições foram substituídas por plebiscitos. 

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Soldado e cabo

Não foi a primeira vez que o filho de Bolsonaro defendeu medidas autoritárias. Ao discursar no plenário da Câmara, na terça-feira, Eduardo disse que a polícia deveria ser acionada em caso de protestos semelhantes ao Chile e, ainda, que o Brasil poderia ver a “história se repetir”. Em um vídeo gravado em julho do ano passado – que veio à tona a uma semana do segundo turno –, ele também causou polêmica ao responder a uma pergunta sobre a hipótese de ação do Exército, caso o STF impedisse que Bolsonaro assumisse. “Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo”, respondeu, na ocasião. 

Após a repercussão negativa das novas declarações, o próprio Bolsonaro criticou. Na saída do Palácio da Alvorada, ele repetiu três vezes que quem falar hoje em AI-5 “está sonhando”. Depois, pediu que os jornalistas cobrassem uma posição do deputado, e não dele. “Não apoio. Quem quer que seja que fale em AI-5 está sonhando. Está sonhando, está sonhando. Não quero nem ver notícia nesse sentido aí”, disse. “Cobrem vocês dele, ele é independente.” 

Mais tarde, em entrevista ao programa “Brasil Urgente”, da Band, Bolsonaro assegurou que parte da afirmação do filho havia sido distorcida. “Não queremos falar em autoritarismo da nossa parte (...). Mas a gente fica chateado porque qualquer palavra nossa, em um contexto qualquer, vira um tsunami.” No mesmo programa, Eduardo disse que houve uma “interpretação deturpada” de sua declaração. “Peço desculpas a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5, ou o governo, de alguma maneira – mesmo eu não fazendo parte do governo – está estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe”, disse. 

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Punição

Antes desse capítulo, porém, Maia já havia conversado com líderes dos principais partidos na Câmara e decidido se posicionar com veemência. “Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas com toda a indignação possível pelas instituições brasileiras. A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo”, escreveu Maia, ao lembrar que Eduardo jurou respeitar a Constituição de 1988 ao tomar posse como deputado. “Foi essa Constituição, a mais longeva Carta Magna brasileira, que fez o país reencontrar sua normalidade institucional e democrática”. 

Relator no Congresso da emenda constitucional que extinguiu o AI-5, o ex-presidente José Sarney disse lamentar que o deputado do PSL tenha sugerido violar a Constituição. “Fiquei estarrecido. Que tempos!”, disse Sarney. / RENATO ONOFRE, CAMILA TURTELLI, RAFAEL MORAES MOURA e ELIANE CANTANHÊDE

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