Passivo ativado

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Por Dora Kramer e dora.kramer@grupoestado.com.br
Atualização:

Velhos parceiros de alianças eleitorais e governamentais, democratas e tucanos vinham até agora acumulando quase em silêncio um passivo de divergências cuja origem remonta ao período final do governo de Fernando Henrique Cardoso. A partir desta semana, com a briga do Democratas e do PSDB por causa da indicação do líder da minoria na Câmara, as escaramuças entre os dois principais partidos de oposição passaram a ter o caráter de um legítimo ativo, cujos desdobramentos terão conseqüências já nas eleições municipais de 2008. Unidos em 1994 em torno do Plano Real, da candidatura de Fernando Henrique à Presidência e da execução de reformas principalmente relativas à economia e ao papel do Estado, os dois se afastam cada vez mais e divergem frontalmente quanto à forma de fazer oposição ao governo Luiz Inácio da Silva. O distanciamento, no entanto, era algo latente. Adotaram caminhos e atitudes diferentes, mas não manifestavam isso a não ser em queixumes de bastidor. Em geral, com os ex-pefelistas na condição de reclamantes pela falta de "solidariedade" dos tucanos e estes seguindo suas vontades sem dar grande atenção ao partido colega de oposição, certo de que o fato de o PSDB representar uma expectativa mais consistente de volta ao poder seria suficiente para manter o Democratas como um fiel aliado eleitoral. O episódio da liderança da minoria na Câmara alterou o quadro. O DEM simplesmente apresentou o nome do deputado André de Paula como substituto do tucano Júlio Redecker, morto no acidente do Airbus da TAM em julho, em reunião de líderes sem avisar o PSDB. Deu sinal aí de que se considerava totalmente livre de compromissos e do dever de solidariedade para com os tucanos. No dia seguinte, novo confronto por causa da indicação do relator da CPI das ONGs no Senado. O tucanato resolveu dar o troco e, também sem combinar com o já agora adversário, retirou apoio ao senador Heráclito Fortes e apresentou sua candidata, a senadora Lúcia Vânia. Seriam apenas choques de procedimentos parlamentares não representassem - e nisso é que se deve prestar atenção para não perder o pé em movimentos futuros e de maior importância - a explicitação do divórcio. Nesse processo de separação se inserem também as diferenças de posição em relação à renovação da CPMF. Os tucanos falam contra e votam a favor basicamente por dois motivos: inventaram a contribuição no governo FH e dela não querem abrir mão na perspectiva de ganhar a eleição de 2010 para presidente. O Democratas vota contra também por dois motivos: primeiro, faz da luta pela redução de impostos a composição central de seu discurso dirigido à classe média, ao empresariado e àquele público com o qual pretende estabelecer seu diálogo político-eleitoral com vistas a recuperar a força perdida; segundo, não tem chance - pelo menos que seja visível a olho nu - de ganhar uma eleição presidencial tão cedo. Ademais, o partido argumenta que lá atrás, quando a CPMF foi inventada, só votou por sua aprovação por dever de ofício às conveniências do governo do qual fazia parte. Hoje já não se sente necessariamente integrado a compromissos de projetos conjuntos. A recíproca, no PSDB, é verdadeira parcialmente. Os tucanos nutrem discordâncias agudas em relação ao Democratas, mas não querem deixar de contar com o DEM na parceria eleitoral. Parceria esta que terá sua saúde testada na principal disputa de 2008, em São Paulo, onde os ex-pefelistas consideram ponto de honra a candidatura do prefeito Gilberto Kassab e dizem que o comportamento dos tucanos em relação a ela definirá se em 2010 os dois grandes da oposição seguirão juntos ou separados. Bem comparando "Se tudo não passou de acordos políticos honestos, por que não agir às claras, como procedem as pessoas de bem?", perguntou, em argumento fatal, o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, na apresentação de sua denúncia contra os acusados do mensalão, apontando o caráter ilícito da opção por mecanismos heterodoxos de repasse de dinheiro em detrimento do uso de "procedimentos bancários mais expeditos e mais seguros". A mesma dúvida pode ser levantada a respeito da escolha de Renan Calheiros por pagar a pensão da filha em dinheiro vivo, por intermédio de um amigo lobista. Decoro A troca de e-mails, flagrada pelo Globo, entre os ministros Carmem Lúcia e Ricardo Lewandowski, durante a apresentação da denúncia do mensalão no Supremo Tribunal Federal, provocou críticas à divulgação das mensagens. Mas deveria suscitar reparos também à atitude dos magistrados. Afinal, o teor dos comentários - revelando o conteúdo do voto do ministro Eros Grau e levantando suspeita sobre ingerências outras no processo de substituição do ministro Sepúlveda Pertence - não presta bons serviços à preservação do decoro judicial.

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